Valor econômico, v. 21, n. 5091, 22/09/2020. Brasil, p. A4

 

Na ONU, Bolsonaro busca tirar imagem de ‘vilão’

Fabio Murakawa

22/09/2020

 

 

Em seu discurso hoje na Assembleia-Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro fará uma defesa da política ambiental de seu governo e da condução que ele deu à pandemia, que em ambos os casos o transformaram em alvo de críticas internas e externas.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, Bolsonaro tentará com seu discurso tirar de si a pecha de “vilão” internacional do meio ambiente e de um presidente que ignora a ciência. A alta no desmatamento e as queimadas na Amazônia e no Pantanal colocaram o Brasil nos noticiários do mundo inteiro, ameaçando investimentos estrangeiros no país e o fechamento de acordos comerciais.

No momento em que países como a França ameaçam travar o acordo Mercosul-União Europeia, o presidente dirá que as críticas são superdimensionadas por causa de interesses econômicos.

Repetirá, assim, o argumento já utilizado recentemente por ele e por autoridades de seu governo, como o ministro Augusto Heleno e o vice-presidente Hamilton Mourão.

O presidente admitirá que há problemas, mas se defenderá dizendo que o país está fazendo a sua parte para combater o desmatamento e os incêndios.

Também fará referência ao fato de que o agronegócio brasileiro ajuda a alimentar o mundo, alegando que as práticas adotadas pelo país na produção de alimento são sustentáveis.

Além disso, o presidente destacará a importância dada ao tema ambiental ao nomear Mourão para presidir o Conselho da Amazônia. O colegiado, que congrega 15 ministérios, havia sido criado durante o governo FHC, mas na prática não funcionava.

A má imagem do governo Bolsonaro no exterior ameaça a concretização de acordos como o firmado entre Mercosul e União Europeia para uma área de livre-comércio entre os dois blocos.

No fim de semana, o primeiro-ministro da França, Jean Castex, se colocou contra sua efetivação.

“O desmatamento ameaça a biodiversidade e desregula o clima. O relatório apresentado reforça a posição da França de se opor ao acordo UE-Mercosul, assim como está. Esta decisão é coerente em relação ao engajamento francês e europeu nas causas do meio ambiente”, afirmou.

Na semana passada, os países da chamada Parceria das Declarações de Amsterdã, formada por Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Noruega, Holanda e Reino Unido enviaram uma carta para Mourão. Juntamente com a Bélgica, eles expressaram preocupação com “as taxas alarmantes” de derrubada da vegetação da Amazônia brasileira.

Mourão acusou os países que criticam o desmatamento da Amazônia de promover “barreiras não tarifárias”, sobretudo contra os produtos agrícolas brasileiros.

“Vocês têm que entender o seguinte: faz parte da estratégia comercial dos países europeus esta questão da cadeia de suprimentos. Isso é uma barreira”, afirmou. “Existem barreiras tarifárias e não tarifárias, então, isso daí a gente tem que fazer a negociação não só comercial, mas diplomática, como ambiental também.”

Além do ambiente, a pandemia terá destaque no discurso de Bolsonaro. O presidente dirá que o país foi bem sucedido no combate à covid-19, apesar dos quase 140 mil mortos, que colocam o país na segunda colocação no ranking mundial de óbitos do novo coronavírus.

Ele exaltará ações do governo, como o auxílio emergencial, que evitou a fome e também ajudou a dinamizar a economia.

Por causa da pandemia, será a primeira vez em 75 anos que os líderes mundiais não farão seus discursos presencialmente na sede das Nações Unidas, em Nova York.

Como manda a tradição, o Brasil fará o discurso de abertura da 75ª Assembleia-Geral da ONU. O evento está marcado para começar às 10 horas. O discurso de Bolsonaro foi gravado na semana passada, e o material, enviado para a ONU. Depois dele, fala o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também cumprindo um roteiro que se repete anualmente.

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Heleno aponta ação de ‘interesses ocultos’ para ‘derrubar o governo’

Luísa Martins

Matheus Schuch

Isadora Peron

22/09/2020

 

 

Ministro foi responsável ontem por vocalizar a posição da gestão Bolsonaro em audiência pública no STF

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, foi o responsável ontem por vocalizar a posição do governo Jair Bolsonaro em uma audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em sua fala, ele minimizou a alta nos números de desmatamento, disse que os incêndios na floresta Amazônica são um “fenômeno natural” e apontou a atuação de “interesses ocultos” para “derrubar o governo”.

“Não podemos admitir e incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras sem passado que lhes dê autoridade moral para nos criticar tenham sucesso no seu objetivo principal, obviamente oculto, mas evidentemente claro para os menos inocentes, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”, afirmou.

A audiência pública foi convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, que questiona a suposta falta de providências do governo para o funcionamento do Fundo Clima. Os debates continuam hoje, com a presença de representantes do mundo acadêmico e do setor financeiro e empresarial, entre eles o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga.

Ao abrir o debate, Barroso afirmou que a audiência pública não era “contra o governo”, e sim a favor da “Constituição e do Brasil”.

“Esta não é uma audiência pública contra nem a favor de ninguém, é uma audiência para termos informações suficientes e adequadas sobre a realidade fática vigente e podermos de maneira plural ouvirmos o governo, acadêmicos, ambientalistas e empresários”, explicou. “É uma audiência a favor do Brasil e da Constituição e em nenhum hipótese contra ninguém.”

O tom empregado por Heleno ontem é o mesmo que será usado hoje por Bolsonaro durante a abertura da Assembleia-Geral da ONU, que fará uma defesa da política ambiental do seu governo. Ontem, embora tenha admitido a necessidade de aperfeiçoar os meios para o combate de ilegalidades na área ambiental, o chefe do GSI acusou, sem citar nomes e detalhes, ONGs de utilizarem dados falsos para apresentar o Brasil ao mundo como “vilão” no debate sobre aquecimento global.

“As ONGs têm por trás potências estrangeiras para nos apresentarem ao mundo como vilões do desmatamento e do aquecimento do planeta. Pior, usam argumentos falsos, números fabricados e manipulados e acusações infundadas para prejudicar o Brasil”, disse.

O ministro também levantou dúvidas sobre a veracidade de informações sobre aquecimento global, dizendo que há “teses antagônicas entre cientistas famosos”. Ele defendeu, ainda, que o aumento de incêndios nas florestas brasileiras não é culpa da omissão do governo, mas sim “fenômenos naturais”.

“Não há comprovação científica de que o aumento de incêndio nas florestas primárias decorra de inação do governo. Na verdade, elas têm a ver com fenômenos naturais, cuja ação humana é incapaz de impedir”, finalizou.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também defendeu na audiência que o discurso de que o Brasil vive um desmonte na agenda ambiental não é verdadeiro. Para ele, a ação movida pelos partidos de oposição perdeu objeto, pois o governo já teria tomados todas as providências para a retomada do fundo. “O plano de ação já foi feito, o comitê gestor já foi empossado e os recursos foram para o BNDES.”

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, defendeu que as atividades agropecuárias não podem ser apontadas como causa da degradação ambiental do país. “A agropecuária e o produtor rural são os mais importantes aliados na preservação do meio ambiente. Vilanizar a agricultura brasileira não ajuda em nada.”

Também presente no evento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou o governo por ter diminuído a média de dotação orçamentária anual do Fundo Clima. Para ele, a ação impetrada no STF “parece ter estimulado” o poder público a agir.

“O compromisso com o meio ambiente saudável não está no campo da disputa política. Isso é uma obrigação de todos os agentes públicos”, disse.

Maia citou, ainda, as queimadas que têm ocorrido no Pantanal e na Amazônia. “Não podemos confiar nas chuvas, precisamos confiar na política - nos homens e mulheres responsáveis por formulá-la e implementá-la.”

O presidente da Câmara defendeu que não promover políticas públicas ambientais satisfatórias pode ter “efeitos deletérios sobre o agronegócio”, afetando a credibilidade do Brasil no plano internacional.

Após as autoridades se manifestarem, foi a vez de entidades se posicionarem e apresentarem um contraponto à visão do governo. O diretor-executivo do WWF Brasil, Maurício Voivodic, por exemplo, afirmou que a ”agropecuária brasileira tem plenas condições de se expandir sem que seja necessário derrubar mais nenhuma nova árvore”. Para ele, “não é de mais área que o país precisa, mas sim de um melhor uso das áreas já abertas”.

A coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, classificou como “perigosa” a posição do governo sobre as questões ambientais. “Podemos dizer que é um governo extremamente perigoso, porque acaba questionando dados e, quando esses dados não condizem com seus interesses, tentam imediatamente omitir a verdade ou punir e exonerar responsáveis”, disse.

Para ela, o governo faz alianças e protege invasores e desmatadores. “Por isso que a gente diz que é um governo perigoso, porque acaba agindo em favor de quem está destruindo, de quem está de fato explorando [a Amazônia].”

Já o cientista Carlos Nobre afirmou que a floresta amazônica está muito próxima do ponto de “não retorno” se o desmatamento continuar. Durante a sua explanação, porém, ele afirmou que focaria em maneiras de mudar essa trajetória. Nobre defendeu uma espécie de “Brazil green deal” após a pandemia, como a agregação de valor em produtos da floresta. “É necessário um novo paradigma de desenvolvimento para a Amazônia”, disse.