Título: Yoani contra-ataca
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 20/02/2013, Mundo, p. 14

Alvo de manifestações hostis na Bahia, blogueira cubana aceita convite da Câmara dos Deputados para exibição de documentário, hoje, em Brasília. Dissidente precisou contar com escolta policial em sua visita ao Brasil

Depois de ser hostilizada com protestos em Feira de Santana (BA), a blogueira cubana Yoani Sánchez virá hoje a Brasília, a convite de parlamentares da oposição e do Partido dos Trabalhadores (PT) para participar da exibição do documentário Conexão Cuba x Honduras. Na noite de segunda-feira, manifestações organizadas na cidade por militantes ligados a partidos de esquerda impediram a reprodução do filme, do qual a cubana é uma das principais entrevistadas. O documentário será apresentado na Câmara dos Deputados, ao meio-dia, em audiência aberta. Ontem, Yoani usou a ferramenta que a tornou conhecida internacionalmente, seu blog, para desabafar sobre os protestos que enfrentou no Brasil, um dia depois de elogiar a “democracia” que desejava ver em seu país. “Todos (manifestantes) tinham, por exemplo, o mesmo documento impresso em cores, com um monte de mentiras sobre mim, tão maniqueísta como fácil de refutar com uma simples conversa”, escreveu.

O convite para Yoani Sánchez surgiu de uma conversa entre o deputado federal Otavio Leite (PSDB-RJ), em uma articulação com seu colega de partido, Márcio Bittar (AC), e com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Leite, que deverá receber Yoani no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, disse que não houve preocupação com segurança extra para ela. “A Câmara, de alguma forma, repara uma violência injustificável que ela sofreu, assim com o cineasta brasileiro, Dado Galvão”, disse ao Correio.

A viagem foi confirmada na noite de ontem pela própria Yoani, em sua conta no microblog Twitter. Foi mais um sinal da politização da visita. Antes de sua chegada, uma reportagem publicada pela revista Veja afirmou que o governo brasileiro teria participado de reuniões na Embaixada de Cuba, durante as quais recebera um dossiê de difamação contra a blogueira. A Secretaria-Geral da Presidência admitiu à Agência Estado que um dos funcionários obteve um CD com informações sobre a cubana e o destruiu, pois “constatou que ele não continha informações pertinentes ao seu trabalho”.

Ontem, a agenda de Yoani começou com uma entrevista coletiva durante a qual falou sobre os protestos que, segundo ela, não a surpreenderam. A blogueira agradeceu o reforço na segurança, mas lamentou que a situação tenha “chegado a esse ponto”. “Sou uma pessoa que usa palavras e não armas”, disse. Ao longo do dia, ela cancelou visitas a museus e andou escoltada pela Polícia Militar e por quatro seguranças privados, segundo informações de pessoas ligadas a ela.

O Brasil é a primeira nação visitada por Yoani desde que passou a valer a reforma imigratória em Cuba. Ela deve permanecer no território até sábado, antes de seguir em um périplo por nove países. Entre seus compromissos, Yoani receberá prêmios internacionais com os quais foi agraciada nos últimos seis anos, mas acabou impedida de participar das cerimônias, pois não tinha permissão para deixar a ilha socialista. Ela pretende usar o dinheiro para fundar um “meio de comunicação independente”.

Por meio do seu blog Generación Y, ela se tornou conhecida internacionalmente por suas críticas ao regime castrista. Também dissidente, especialista em direitos humanos e professor da Florida International University, o cubano Sebastián Arcos contou ao Correio ter ficado feliz com o fato de Yoani ter conseguido deixar a ilha, ainda que momentaneamente. Para ele, que teve permissão para sair de Cuba em 1992, Yoani foi capaz de superar as limitações impostas pelo governo cubano para se fazer ouvir. Mas ponderou que a reforma imigratória ainda não é uma medida completa. “Essas reformas (de Raúl Castro) são, por um lado, pequenas e limitadas. Mas por outro, sãos as primeiras em décadas de regime totalitário. Elas elevaram a esperança de que as coisas podem mudar.”

Opinião parecida tem o cientista político, José Blanes Sala, especialista em direitos humanos pela Universidade Federal do ABC. Na sua avaliação, o tratamento dado à blogueira foi “frio e deselegante”. No entanto, ele reconhece que a visita será importante para o intercâmbio de informações entre Brasil e Cuba. “O regime cubano vai perceber que a atuação dela não será tão desastrosa para a imagem de Cuba. O governo está se abrindo aos poucos e ela aqui é prova disso”, concluiu.

Americanos visitam ilha

Uma delegação de congressistas americanos chegou ontem a Havana para conversar com funcionários cubanos e visitar o empresário americano preso Alan Gross. Trata-se do primeiro giro deste tipo desde que o presidente dos EUA, Barack Obama, foi reeleito, em novembro. Fontes da Seção de Interesses dos Estados Unidos em Havana (SINA) confirmaram à agência France-Presse que o grupo chegou na noite de segunda-feira, liderado pelo senador Patrick Leahy (Vermont). O democrata já havia visitado a ilha, em 2012, com outra delegação de legisladores e, na ocasião, se reuniu com o presidente cubano, Raúl Castro. Detido em 2009, Gross cumpre pena de 15 anos de prisão em um hospital militar de Havana depois de ser condenado por distribuir ilegalmente na ilha equipamentos de telecomunicações, em um caso que renovou as tensões entre ambos os países.