O globo, n. 31796, 26/08/2020. País, p. 10

 

Maioria vota por absolver Temer em caso de compra do silêncio de Cunha

Victor Farias

26/08/2020

 

 

Julgamento no TRF da 1ª Região foi interrompido por pedido de vista; ex-presidente já foi absolvido na primeira instância

 Dois dos três desembargadores que compõem a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) votaram ontem pela absolvição do ex-presidente Michel Temer da acusação de obstrução de Justiça no caso relacionado à delação premiada do empresário Joesley Batista. Em outubro de 2019, ele foi absolvido em primeira instância, mas o Ministério Público Federal (MPF) recorreu.

Gravado por Joesley quando era presidente, em episódio revelado pelo GLOBO em maio de 2017, Temer foi acusado pelo MPF de obstruir a Justiça por anuir com a suposta compra, por Joesley, do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Votaram pela manutenção da sentença que absolveu Temer o relator do caso, desembargador Ney Bello, e a desembargadora Maria do Carmo Cardoso. Monica Sifuentes, a terceira integrante da turma, pediu vista.

Antes dos três votarem, a procuradora Raquel Branquinho defendeu o entendimento do MPF. Ela afirmou que a gravação deixa “bem claro o entrosamento” entre Temer e o empresário e que “não foi à toa” que Joesley visitou o então presidente “para tratar de um assunto estranho ao gabinete do presidente da República”.

Sobre a ausência de provas materiais, um dos motivos pelos quais Temer foi absolvido em primeira instância, ela disse que os crimes dessa natureza são “subliminares” e que, devido ao medo de estar sendo gravado, esses diálogos costumam ocorrer de forma “truncada” e “por códigos”.

—[Os crimes dessa natureza] são praticados com olhares, com detalhes na verbalização, na forma de comunicação entre os dois interlocutores. Não há, realmente, uma contratação, um diálogo onde são estabelecidos todos os detalhes —defendeu.

Em seguida, a transmissão da sessão foi interrompida por problemas técnicos e só foi retomada no julgamento de outro caso.

Em junho de 2017, a Polícia Federal (PF) concluiu que não houve edição nas gravações feitas pelo dono da JBS, Joesley Batista. A perícia apontou cerca de 200 interrupções no áudio da conversa com Temer, mas ressaltou que as “descontinuidades” seriam consequência das características técnicas do gravador.

As gravações, porém, não foram as únicas evidências apresentadas. A PF gravou o ex-deputado e ex-assessor direto do ex-presidente Rodrigo Rocha Loures, apontado pelo ex-presidente como homem de confiança, recebendo uma mala que continha R$ 500 mil, recebida do ex-executivo da J&F Ricardo Saud. Rocha Loures foi flagrado correndo com a bagagem na saída de uma pizzaria de São Paulo.

Os investigadores sustentam que o dinheiro se tratava de propina destinada a Temer e a Rocha Loures por interferirem, em benefício da J&F, no andamento de um processo administrativo em trâmite no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) envolvendo a disputa entre a Petrobras e o preço do gás fornecido pela estatal à termelétrica EPE, em Cuiabá, comprada pelo grupo. Em outra gravação de conversa entre Saud e Loures, em abril de 2017, os dois combinam o montante de propina que o político receberia por sua atuação no Cade.