O globo, n. 31796, 26/08/2020. Economia, p. 23

 

Privilégios ao Norte e Nordeste

Geralda Doca

Marcello Corrêa

Daniel Gullino

26/08/2020

 

 

Governo lança substituto do Minha Casa Minha Vida com regras especiais para as regiões

 Com regras especiais para o Norte e Nordeste, onde busca aumentar sua popularidade de olho nas eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem o novo programa habitacional do governo, batizado de Casa Verde e Amarela. Ele substituirá o Minha Casa Minha Vida, criado na gestão petista. A meta é beneficiar mais de 1,6 milhão de famílias até 2024.

O programa foi criado por medida provisória e faz parte da estratégia do governo de imprimir sua marca na política habitacional para a baixa renda. Uma das novidades em relação ao Minha Casa Minha Vida é a redução nos juros, que hoje variam entre 5% e 5,5% aoano.AsregiõesNorteeNordeste serão as mais beneficiadas pelos cortes.

Nessas localidades, a taxa cairá em até 0,5 ponto percentual (p.p.) para famílias com renda de até R$ 2 mil mensais e 0,25 p.p. para quem ganha entre R$ 2 mil e R$ 2.600. Assim, o percentual ficará em 4,25% ao ano e, nas demais regiões do país, em 4,5%.

Além dos juros menores, o NorteeoNordesteterãoainda outros benefícios, como uma parcela mais abrangente de famílias beneficiadas, com rendimento de até R$ 2.600 ao mês, contra R$ 2 mil nas demais regiões.

O limite do valor dos imóveis financiados também foi ampliado, com o objetivo de fomentar o interesse do setor da construção civil em atuar nessas localidades.

DÉFICIT É MAIOR NO SUDESTE

Ao apresentar a medida, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho — que capitaneou a elaboração do novo programa —afirmou que o “olhar especial” para o Nordeste é um pedido de Bolsonaro:

— Nós teremos um tratamento diferenciado para as regiões que historicamente têm uma condição menor em relação aos seus índices de desenvolvimentohumano,quesãoo

Norte e o Nordeste, cumprindo a determinação de Vossa Excelência, senhor presidente, de termos um olhar especial para as regiões mais deprimidas de nosso país.

Dados da Pnad Contínua, do IBGE, mostram que o projeto do governo é bastante abrangente para o Norte e Nordeste. Nessas regiões, 65% dos adultos acima de 18 anos podem ser beneficiados no programa, pois moram em residências com rendimento domiciliar abaixo de R$ 2.600. Já no Sul e no Sudeste, cujo teto de renda é R$ 2 mil, o alcance é de 18% e 24%, respectivamente.

Ana Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do Ibre/FGV, ressalta, contudo, que em termos de déficit habitacional, as regiões Norte e Nordeste não são as mais prejudicadas. Levantamento de 2017 mostra que o Sudeste concentrava 42% do déficit habitacional do país, enquanto Norte e Nordeste tinham, somados, 36%.

— Na composição do déficit habitacional, há o componente do ônus excessivo por aluguel, com peso alto nas Regiões Metropolitanas.

Para financiar o novo projeto, o governo continuará utilizando o FGTS, que vai investir mais R$ 25 bilhões do fundo dos trabalhadores no programa até o fim deste ano e mais R$ 500 milhões que estavam parados no Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) nos próximos quatro anos.

O ministro anunciou ainda que o novo programa prevê um modelo para renegociação de dívidas de mutuários da Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, com renda de até R$ 1.800. A medida ainda precisa ser regulamentada pelo governo.

O lançamento ocorreu no Palácio do Planalto, sem a participação do ministro da Economia, Paulo Guedes, que trava uma disputa nos bastidores com Marinho sobre a ampliação dos gastos públicos.

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Além do financiamento habitacional, o programa terá como objetivo tirar do papel o projeto de regularização fundiária aprovado no governo do ex-presidente Michel Temer e bancar reformas para as famílias que ganharem as escrituras. A meta é regularizar dois milhões de moradias e adequar 400 mil unidades até 2024.

Os recursos para reformas serão repassados diretamente para pequenas construtoras selecionadas pelo governo.

Elas vão ganhar por intervenções, que serão padronizadas, com construção de banheiro, cozinha e pequenas reformas.

Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, o ponto de destaque do novo programa é a redução da taxa de juros. Ele acredita que o programa vai representar um incremento de 15% no número de lançamento residenciais nos próximos quatro anos:

— Quando o governo reduz os juros, aumenta a capacidade de compra. Com isso, é possível financiar um imóvel em um valor maior, reduzindo a necessidade de subsídio.