O globo, n. 31797, 27/08/2020. País, p. 12

 

Empate sistemático beneficia réus no STF

Carolina Brígido

27/08/2020

 

 

Licença médica de Celso de Mello deixou Segunda Turma, que analisa, entre outros, os casos da Lava-Jato, dividida entre dois ministros “garantistas” e dois que costumam votar contra os investigados — e disparou articulações de bastidor na Corte

 Com a licença médica do ministro Celso de Mello, a Segunda Turma ensaia voltar aos tempos em que era apelidada de “Jardim do Éden”, em referência a uma maioria de decisões favoráveis aos réus. O cenário ficou claro nesta semana com o placar de dois julgamentos. Em ambos, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram para beneficiar réus, enquanto Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram contra os investigados. Pela regra penal, diante do empate, adota-se a decisão mais favorável ao réu. Enquanto o decano não retornar da licença, esse cenário anima advogados com causas pendentes de julgamento na turma.

Em um dos casos julgados, foi anulada condenação imposta no caso Banestado por Sergio Moro, quando era juiz federal em Curitiba. Mendes e Lewandowski consideraram Moro como “parcial” na conduçãodoprocesso.Nooutro caso, também com apenas dois votos, foi anulada uma delação premiada que acusava de fraude um grupo de auditores fiscais paranaenses. A decisão foi tomada a pedido de réus delatados, contrariando a orientação dada pelo plenário do Supremoem 2015 de que eventuais rescisões deveriam partir de questionamentos das partes signatárias do acordo (o Ministério Público ou os delatores).

As recentes decisões da Segunda Turma acendem a esperança de advogados que aguardam julgamento no colegiado. Entretanto, essa esperança não abarca processos da Lava-Jato de Curitiba. Como o relator é o ministro Edson Fachin, da ala que vem sendo derrotada, o mais provável é que ele não paute mais os processos durante a ausência de Celso de Mello.

A situação é diferente em relação aos processos da LavaJato do Rio, cujo relator é Gilmar Mendes. Adepto do garantismo, ele costuma decidir a favor de réus investigados também em outras operações. No último dia 8, por exemplo, Mendes libertou, em decisão monocrática, AlexandreBaldy,ex-secretáriode João Doria, em São Paulo, suspeito de receber propina em troca da atuação em favor da Organização Social Pró-Saúde, de Goiânia.

Um advogado criminal com causas na Segunda Turma considera essa brecha importante em julgamentos de habeas corpus de réus, que podem ser libertados com o placar de dois a dois. Ele alerta, porém, que a situação envolve mais sorte do que oportunidade. Isso porque, para um processo ser pautado para julgamento, normalmente ele precisa estar tramitando há meses no tribunal. Portanto, não adianta entrar com a ação agora e esperar o benefício do empate. Até o caso ser julgado, o mais provável é que a formaçãodaturmajáestejacompleta de novo.

CASO DE LULA SÓ EM 2021

O caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um capítulo à parte. A Segunda Turma vai julgar um recurso do petista que pede a anulação de condenações com base na suposta parcialidade de Moro para conduzir os processos. Fachin e Cármen Lúcia já votaram contra as pretensões de Lula. Mendes e Lewandowski ainda não votaram, mas deram a entender que condenam a postura de Moro.

O voto de Celso de Mello é uma incógnita. Sem ele no plenário temporariamente, se o caso for pautado, o mais provável é que Lula seja vitorioso. O processo está nas mãos de Mendes. No entanto, ele disse a interlocutores que tem a intenção de levar o caso para a Segunda Turma só em sessão presencial. E não quer pautar o processo com o colegiado incompleto. Como a previsão é de que o STF só volte a se reunir fisicamente em 2021, o julgamento deve ser empurrado para frente.

Até lá, uma estratégia é estudada entre os ministros chamados garantistas — que defendem o direito dos condenados responderem mais tempo em liberdade. Celso de Mello seaposentaemnovembro,por completar75anos.Pelalógica, o substituto dele, o primeiro nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, iria para a Segunda Turma. A aposta é que o escolhido seja da linha punitivista. Por isso há ministros interessados na transferência de Dias Toffoli para a vaga que será aberta na Segunda Turma.

Toffoli deixa a presidência do STF em setembro e assumirá a vaga da Primeira Turma que será deixada pelo novo presidente, Luiz Fux. Depois, Toffoli poderia pedir a transferência para o colegiado vizinho. A interlocutores, ele disse não querer a vaga da Segunda Turma. Toffoli considera não haver justificativa para a dança das cadeiras. A ala garantista do tribunal, porém, se empenha em convencê-lo do contrário.

Um ministro garantista ouvido em caráter reservado explica que essa tática seria importante para evitar expor o novo ministro do Supremo às pressões da Lava-Jato, já que a Segunda Turma é a responsável pelos processos da operação. Na verdade, seria uma forma de garantir que os placares de causas penais fossem sempre 3 a 2, porque Toffoli tambéméumexpoentedogarantismo no Supremo.

Até 2018, quando Toffoli deixou a Segunda Turma, a realidade era essa. Na época, surgiu o apelido Jardim do Éden. Com Toffoli na Primeira Turma e o indicado de Bolsonaro na Segunda Turma, os dois colegiados seriam majoritariamente punitivistas —selando, assim, o fim do garantismo no tribunal.

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Lava-Jato pede a Aras prorrogação da força-tarefa

Aguirre Talento

27/08/2020

 

 

Prazo atual expira em 10 de setembro. Procuradores de Curitiba pedem mais um ano para prosseguir investigações em curso

 A força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba enviou ontem ofício à ProcuradoriaGeral da República (PGR) pedindo a prorrogação de sua atual estrutura por mais um ano e apresentando um balanço dos resultados da operação até o momento. No ofício, os procuradores defendem que a força-tarefa seja mantida até o estabelecimento de uma transição para um novo modelo de grupos anticorrupção e sugerem quatro opções possíveis.

A análise da prorrogação será feita pela equipe do procurador-geral da República, Augusto Aras, em meio a uma crise entre a PGR e as forças-tarefas. Aras tentou obter cópia dos bancos de dados das operações, mas foi barrado por uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. O pedido de prorrogação foi enviado à PGR e ao Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Atualmente, a força-tarefa de Curitiba tem 14 procuradores, sendo metade deles com dedicação exclusiva. O prazo do grupo termina em 10 de setembro, por isso a prorrogação deve ser definida até lá.

No ofício, a força-tarefa relata que ainda possui em andamento cerca de 400 investigações e que deflagrou 11 novas fases da operação desde a metade do ano passado. Cita que estão pendentes a análise de dados obtidos via cooperação internacional, que podem significar a recuperação de valores desviados e mantidos em contas no exterior, e os desdobramentos de mais de 200 acordos de delação já firmados na operação.

O documento é assinado pelo coordenador Deltan Dallagnol e pelos 13 procuradores que integram o grupo. Os procuradores afirmam que “falta muito a analisar e a fazer, dada a dimensão e complexidade dos casos e do volume de dados obtidos”.

No documento, os procuradores fazem um balanço da operação até agora. Citam a recuperação de R$ 1,6 bilhão no ano passado, cifra recorde em um total de R$ 4 bilhões já recuperados desde 2014; e contabilizam mais de 100 denúncias já oferecidas.

No documento, a força-tarefa de Curitiba cita quatro opções possíveis para realizar uma transição do atual modelo para outros grupos de combate à corrupção. Uma é a proposta da Unidade Nacional Anticorrupção (Unac), em discussão no Conselho Superior do MPF e que unificaria as forças-tarefas da operação em um órgão coordenado nacionalmente.

Uma segunda opção seria a criação de um grupo dentro da Procuradoria da República no Paraná para to caros casos da operação. A terceira alternativa c ita daéa criação de quatro ou cinco novos ofícios dentro do MPF do Paraná para redistribuir o acervo da operação a outros procuradores. Aforça-tarefa aponta ainda, como quarta opção, um fortalecimento da estrutura do recém-criado Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF do Paraná, para que ele absorvesse as investigações da Lava-Jato.

A apresentação dessas alternativas é uma resposta a uma das críticas que tem sido feitas por Aras contra a Lava-Jato, de “personalismo” dos seus integrantes. Por meio dessas opções, os procuradores querem mostrar que defendem a continuidade das investigações mesmo que não fiquem à frente dos casos.