Título: Tráfico muda rotina de morador do Plano
Autor: Puljiz, Mara; Almeida, Kelly
Fonte: Correio Braziliense, 20/02/2013, Cidades, p. 22

Habitantes de 20 quadras das asas Sul e Norte relatam ao Correio o transtorno de quem sofre com a presença de traficantes e usuários, além dos seguidos assaltos e sequestros relâmpagos

Os moradores do Plano Piloto têm hora para entrar e sair de casa. Há ainda quem evite deixar a residência pela porta principal até mesmo para ir ao supermercado ou à padaria. Quem não tem carro pede que o táxi entre pela garagem. Tudo para evitar o encontro com traficantes e usuários de drogas, que se concentram quase todos os dias embaixo de prédios e árvores.

É assim, por exemplo, na 211 Sul. Os distribuidores de entorpecentes chegam em carros novos e espalham a insegurança pelo local. Quem denuncia e é descoberto está sujeito à violência. Há quem tenha sido ameaçado de morte nos últimos meses por ficar na janela a observar a movimentação. Acuados, crianças, jovens e adultos preferem ficar recolhidos em casa. Evitam caminhar durante a noite, com medo também de assaltos e sequestros relâmpagos. "Como vou lidar com esse povo todo sentado na frente da portaria? Estamos todos intimidados", desabafou uma moradora.

Quando a polícia passa pelo local, quem está com a droga trata de guardá-la no gramado, em árvores e em lixeiras. São inúmeras as possibilidades. "Já os vi escondendo na roupa do bebê e em um cachorro que eles usam para disfarçar. Passei as placas dos carros para a polícia, mas eles dizem que não podem fazer nada", contou ao Correio uma senhora que prefere não se identificar.

No local, há ainda uma Escola Parque, onde circulam muitas crianças. O receio dos pais é de que algum filho seja aliciado por criminosos. "Tenho pavor disso. Os filhos crescem e, por mais que a gente tenha diálogo, nunca sabemos o que pode acontecer quando eles estão entre colegas. É uma insegurança constante", admite uma servidora pública, moradora da 214 Sul.

O número de dependentes químicos é maior nas proximidades de igrejas e de estabelecimentos comerciais, lugares onde há doações e concentração de pessoas com dinheiro. Ontem, o Correio percorreu 20 quadras nas asas Norte e Sul e ouviu os relatos de quem se depara todos os dias com o consumo e a venda de entorpecentes. Durante o dia, os viciados dormem. À noite, vigiam carros para ganhar dinheiro e comprar a droga, principalmente o crack.

Só em janeiro deste ano, o Plano Piloto apresentou aumento de 36,6% na quantidade de flagrantes de tráfico. Em 2013, são 41 casos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do DF. Locais escuros com becos que facilitam a fuga e os arredores de bares e de restaurantes são os preferidos pelos criminosos. É o caso da 109 Sul, ponto conhecido como um dos mais problemáticos da Asa Sul. A área verde e sem iluminação serve de esconderijo para a prática de atividades ilícitas. "Não saio à noite porque tenho medo que me ataquem com uma faca para assaltar. Aqui é um absurdo, só que nem me surpreendo mais. Acho que poderia ter mais segurança", avaliou uma moradora da quadra.

Legislação Na Asa Norte, a reportagem percorreu 10 quadras e conversou com moradores, funcionários de prédios e trabalhadores das comerciais. Os relatos detalham o uso de drogas nos gramados e nos parques das residenciais (leia ilustração). Grande parte da movimentação é feita por moradores de rua, mas pessoas bem vestidas também são flagradas fazendo uso de entorpecentes, especialmente a maconha. Dificilmente, traficantes são vistos.

Na 111 Norte, um zelador denuncia que os viciados em crack se aglomeram no local no fim de semana. "A gente vem limpar na frente dos prédios e encontra um monte de lata de alumínio amassada. É o que eles usam para fumar crack", disse.

Segundo o delegado regional da Área Integrada de Segurança Pública (AISP) Metropolitana, Anderson Espíndola, a legislação favorece o crime. "As leis não punem os usuários, o que é um retrocesso. Para piorar, os traficantes também usam adolescentes para praticar o tráfico", explica. O delegado avalia ainda que o aumento dos flagrantes significa um avanço na repressão. "É resultado de uma política pública de segurança. Vemos que o tráfico de drogas vem fomentando crimes como o furto, o roubo de carro e o roubo com restrição de liberdade. Assim, mudamos de foco no que diz respeito a esse crime", destacou.

Três perguntas para

Nelson Gonçalves de Souza, especialista em segurança pública da Universidade Católica de Brasília (UCB)

Qual é a explicação para o aumento do tráfico de drogas no Plano Piloto? O avanço do consumo da droga reflete a disponibilidade do produto nessa área e a falta de uma legislação que puna os usuários. Não adianta colocar mais policiais nas ruas se a lei admite o consumo individual. Esses profissionais não têm poder para prender essas pessoas. O aumento do efetivo contribui apenas para a dispersão delas para outras regiões.

O número de usuários na Asa Sul está relacionado ao aumento de crimes na região? É provável que essas pessoas contribuam para o crescimento do crime, pois a dinâmica do tráfico depende de lucro. E uma das formas de o usuário obter dinheiro é com a prática de pequenos delitos, tais como roubo e furto a comerciantes e a pedestres. Quando são presos, justificam o ato como consequência do uso de droga.

O que o governo precisa fazer para combater esse problema? Instituir políticas públicas integradas a diversas áreas e não só à Secretaria de Segurança Pública. O Estado não conseguirá eliminar os usuários de drogas por meio de policiamento ostensivo, mas por meio do tratamento aos dependentes e com penalidades mais severas aos grandes traficantes do produto ilícito.