O globo, n. 31797, 27/08/2020. Sociedade, p. 21

 

Queimadas afetam saúde de 4 milhões na Amazônia

Carolina Mazzi

Renato Grandelle

27/08/2020

 

 

Níveis elevados de poluição atmosférica desencadeados por incêndios e desmatamento contribuem para aumento de doenças respiratórias e busca por hospitais já sobrecarregados com casos de Covid-19; indígenas estão entre as maiores vítimas

 Além do dano ambiental, a devastação da floresta amazônica está comprometendo a saúde de milhões de brasileiros que vivem na região. A crescente exposição a fumaça e cinzas produzidas pelas queimadas pode causar problemascomoirritaçãonos olhos, inflamação pulmonar, bronquite, asma e insuficiência cardíaca. Bebês e idosos são maioria entre os internados em hospitais. Indígenas, cuja subsistência depende da caça e de plantações devastadas, também estão entre os mais ameaçados pelos incêndios que proliferam na mata desde o ano passado.

O panorama acima está descrito no relatório “O ar é insuportável: os impactos das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia brasileira na saúde”, assinado por um grupo de trabalho do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde e do Human Rights Watch (HRW).

Em agosto de 2019, segundo as organizações, mais de 3 milhões de pessoas em 90 municípios amazônicos foram expostas a níveis de poluição atmosférica acima do limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em setembro,este número aumentou para 4,5 milhões de habitantes em 168 cidades.

Trata-se de uma “crise crônica e evitável de saúde pública”, segundo os pesquisadores, que poderia ser evitada caso o poder público criasse um sistema eficiente para monitoramento da qualidade do ar, além de fortalecer as agências ambientais dedicadas à proteção da floresta.

Os casos mais graves chegam às unidades de saúde. O levantamento estimou que 2.195 internações hospitalares por doenças respiratórias em 2019 são atribuíveis aos focos de fogo. Quase 500 envolvem crianças de menos de um ano de idade, e mais de mil são relacionadas a idosos de 60 anos ou mais.

Luciana Téllez-Chávez, pesquisadora do HRW, destaca que as queimadas não ocorrem de forma natural na floresta. São resultado da derrubada de árvores, em geral para agricultura, pastagem ou especulação de terras.

— O Brasil tem políticas públicas contra o desmatamento e instituições eficientes para coibir esta prática, como o Ibama e o ICMBio, mas elas estão sendo sabotadas pelo governo de Jair Bolsonaro, que deu sinal verde para os criminosos —alerta.

Além disso, em abril a Amazônia já contava com 4.509 km² de terras que poderiam ser queimadas, o equivalente a 451 mil campos de futebol — são locais recém-desmatados ou que foram desflorestados, mas não incendiados, no ano passado. E as previsões meteorológicasindicamseca, o que aumenta a possibilidade de expansão do fogo.

A pesquisadora lembra que as unidades de saúde já estão sobrecarregadascomoatendimento a pacientes de Covid-19.

E também há estudos que indicam que a exposição à fumaça pode agravar os sintomas do vírus, resultando em mais casos graves e mortes.

INTERNAÇÕES DE INDÍGENAS

O Instituto Socioambiental (ISA) também detectou, em uma pesquisa divulgada anteontem, a relação entre incêndios e problemas de saúde. De acordo com o levantamento, as queimadas na Amazônia Legal foram responsáveis por aumento de 25% das internações por problemas respiratórios em indígenas da região na última década. A situação pode ser pior ainda neste ano.

— Já se vê, até agora, uma intensificação das queimadas — avalia Antonio Oviedo, coautor do estudo.

—Há fatores que serão adicionados na conta, como a temperatura do Atlântico, que está acima da média histórica, o que tende a ampliar a seca, potencializando as queimadas. A falta de fiscalização também vai contribuir para que queimadas ilegais aconteçam em maior número e impunemente.

A taxa de mortalidade pelo coronavírus da população indígena na região é 1,5 vez maior do que a média nacional, aponta Oviedo. Com isso, o cenário de avanço do desmatamento, em plena crise de saúde, é “muito complicado”:

— O aumento das queimadas em plena pandemia é preocupante. As internações em decorrência das queimadas, além de serem causadas por doenças que são fatores de risco para o agravamento da Covid-19, podem saturar ainda mais os hospitais públicos.

O Ministério do Meio Ambiente orientou a reportagem a enviar seus questionamentos ao Conselho da Amazônia, coordenado pelo vice presidente Hamilton Mourão, que não respondeu aos pedidos de entrevista até o fechamento desta edição.