O globo, n. 31798, 28/08/2020. Economia, p. 19

 

R$ 6,5 bilhões

Manoel Ventura

Marcello Corrêa

Geralda Doca

28/08/2020

 

 

Bolsonaro ignora recomendação da equipe econômica e aumenta gastos com obras

 Um dia antes do prazo dado pelo presidente Jair Bolsonaro para o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentar uma nova proposta para financiar o Renda Brasil, programa que vai substituir o Bolsa Família, o governo elevou o valor que será aberto no Orçamento deste ano para realização de obras de infraestrutura. Ignorando a recomendação da equipe econômica, que defendia R$ 5 bilhões, Bolsonaro teria aumentado o gasto previsto para R$ 6,5 bilhões, segundo interlocutores.

A incerteza sobre o total que seria destina dopara obras públicas nes teano foi um dos fatoresqu elevaram ao adiamento do anúncio do chamado “Plano Pró-Brasil”, previsto inicialmente para a última terça-feira. O programa vai reunir, além de um conjunto de medidas da área econômica, como o Renda Brasil, uma carteira de obras públicas.

Os técnicos da equipe econômica vinham relatando nos últimos dias que só havia espaço para R$ 5 bilhões. Mas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), insistiu com Bolsonaro, de acordo com fontes do governo, para que esse valor fosse elevado. Apesar de ficar maior do que Guedes queria, o ministro conseguiu deixar o montante dentro do teto de gastos, regra que limita as despesas da União.

Para o ministro, mais do que uma questão de volume de recursos, trata-se de um debate sobre o caminho para o país sair da crise. Enquanto a ala pró-gastos defende o aporte de recursos do governo em obras públicas, Guedes avalia que a melhor opção é criar um ambiente propício ao investimento do setor privado para assegurar uma trajetória sustentável de recuperação.

Ao longo deste mês, ministros do governo cogitaram editar uma medida provisória (MP) liberando recursos para obras fora do teto de gastos, o que irritou Guedes. Dos R$ 6,5 bilhões, R $3,3 bilhões terão o destino indicado por parlamentares aliados ao governo, oque deve irrigar suas bases eleitorais. Esse valor havia se transformado em um impasse dentro do governo, que só conseguira inicialmente destinar R$ 1,8 bilhão para os deputados e senadores. Mas Alcolumbre insistiu e conseguiu os R$ 3,3 bilhões.

R$ 50 BI NA MÃO DO TARCÍSIO

O dinheiro indicado por parlamentares é diferente das emendas anuais colocadas no Orçamento. É uma indicação feita apenas para aliados e acaba irrigando projetos dos próprios ministérios. Para conseguir o espaço no Orçamento, a equipe econômica avalia cancelar dotações de ministérios que não estão conseguindo usar os recursos, que acabaram ficando parados. Procurado, o Ministério da Economia disse que não comentaria.

O restante (R$ 3,2 bilhões) ficará principalmente com os ministérios do Desenvolvimento Regional (MDR) e da Infraestrutura. O MDR, comandado por Rogério Marinho, deve fi carcoma maior parte, com algo em torno de R$ 2 bilhões. O dinheiro será usado especialmente para obras de segurança hídrica, concentradas no Nordeste.

Ontem, em transmissão ao vivo nas redes sociais, Bolson aro lembrou que as propostas precisam considerara responsabilidade fiscal. Mas, nase quência, fezu mace noàal ado governo que quer ampliar gastos, ao afirmar que os R$ 50 bilhões mensais gastos com o auxílio emergencial poderiam ser usados pelo Ministério da Infraestrutura, comandado por Tarcísio de Freitas:

— Eu queria R$ 50 bilhões na mão do Tarcísio. Acho que, em um ano, praticamente resolveria os grandes problemas de infraestrutura no Brasil. O orçamento do Tarcísio, nesse ano que vai entrar agora, a previsão é de R$ 8 bilhões para infraestrutura.

Ao mesmo tempo em que busca recursos para obras em 2020, a equipe econômica faz as contas para apresentar hoje a Bolsonaro um novo desenho para o Renda Brasil. Até ontem, técnicos do Ministério da Economia afirmavam que a solução deveria seguir três princípios, a pedido do presidente: respeitar o teto de gastos, não prejudicar a população pobre e garantir um benefício acima de R$ 200.

MUDANÇA NO ABONO

É uma equação difícil, já que Bolsonaro não quer mexer em outros programas sociais. O desenho do Renda Brasil está fechado, mas Guedes deve apresentar ao presidente um cardápio de soluções de como financiá-lo.

O abono salarial ainda continua no radar da equipe econômica. Mas, em vez de acabar com ele, a ideia seria mudar as regras para focalizar melhor o benefício entre os trabalhadores mais pobres. Hoje, o abono é pago a quem tem renda de até dois salários mínimos e tenha trabalhado com carteira assinada por pelo menos um mês no ano anterior. Restringir o seu acesso a quem ganha até um salário mínimo resultaria numa redução do gasto superior a 80%. O abono atende 23 milhões de pessoas ao custo de R$ 18,3 bilhões ao ano.

Outra medida em avaliação seria repassar as despesas da Previdência Social com auxílio-doença para as empresas, o que abriria espaço no teto de gasto. Os empregadores poderiam abater o desembolso em contribuições ao INSS.

Guedes também pode propor a desvinculação do salário mínimo das despesas previdenciárias, o que poderia resultar em uma economia da ordem de R$ 8 bilhões. A proposta, no entanto, segue no campo da teoria e é considerada de difícil tramitação.

Em outra frente, fontes da equipe econômica chegaram a mencionar a necessidade de regulamentar os chamados supersalários do funcionalismo, por meio do fim dos penduricalhos além do teto do serviço público. Essa medida, embora vista como “eticamente correta”, teria impacto fiscal menor, da ordem de R$ 2 bilhões por ano.

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Programa terá comitê que vai custar R$ 436 mil por ano

28/08/2020

 

 

Casa Civil diz que não há aumento de gastos, mas não explica remuneração

 O governo federal prepara a edição de um decreto presidencial para criar oficialmente o que vem sendo chamado de “Plano Pró-Brasil”, que vai reunir uma série de medidas como forma de recuperar a economia do país após a pandemia do novo coronavírus. Além de gastos com obras públicas, nota técnica da Casa Civil sobre o programa afirma que ele pode representar um custo de R$ 400 mil por ano em razão da criação de um comitê técnico.

O GLOBO obteve a minuta do decreto e os documentos jurídicos que embasaram sua elaboração. O decreto prevê um conselho, formado por ministros e subordinado à Casa Civil da Presidência da República, e um comitê técnico composto por representantes (titular e suplente) indicados pelos ministros.

Esse comitê, segundo nota técnica da Casa Civil, vai custar R$ 436 mil por ano aos cofres públicos, sendo R$ 310 mil para pagamento de salários de membros titulares e suplentes do colegiado, além de assessores. O restante será para outras despesas relativas ao conselho.

A Casa Civil da Presidência da República informou, em nota, após publicação de reportagem no site do GLOBO, que a estruturação da governança do Plano Pró-Brasil ainda não foi concluída e garantiu que não haverá aumento de gastos. “Não há previsão de custos adicionais relativos à implementação de colegiados, comitês ou similares”, diz anota, ques e limita a informar que os valores citados em documento da própria pasta se referem a estimativas de custo do trabalho homem-hora. O texto não deixa claros e os integrantes do comitê serão remanejados de outras funções.

De acordo coma minutado decreto, o comitê técnico será composto por representantes da Casa Civil, do Ministério da Economia, da Secretaria-Geral e da Secretaria de Governo. Cada membro do comitê técnico terá um suplente. O texto também prevê oito assessores.

Lançado pela Casa Civil da Presidência da República, esse programa rachou o governo quando foi mencionado na reunião de ministerial de 22 de abril — que posteriormente teve o vídeo divulgado por decisão do Supremo Tribunal Federal. Guedes via o pacote como um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), marca da gestão Dilma Rousseff (PT).

Para contornar o problema, Guedes assumiu o protagonismo do programa e o transformou em um guarda-chuva para todas as medidas do governo. Uma delas é o programa Renda Brasil.

Guedes chegou a anunciar que medidas que irão compor o Pró-Brasil seriam lançadas na última terça-feira, num evento que ele classificou como “Big bang day”. A insatisfação do presidente Jair Bolsonaro com o desenho do Renda Brasil, porém, adiou o anúncio.

O Plano Pró-Brasil é composto pelo Eixo Ordem, é destinado a melhorar o ambiente de negócios e mitigar impactos da pandemia. O segundo eixo, Progresso, “é destinado aos investimentos públicos e às parcerias com o setor privado”.