Correio braziliense, n. 20944, 26/09/2020. Economia, p. 6

 

Pressão pela origem do produto brasileiro

Simone Kafruni

Fernanda Strickland 

26/09/2020

 

 

Com os dados de desmatamento aumentando no país, a pressão para a rastreabilidade dos produtos brasileiros, para garantir que a produção não seja responsável pela devastação ambiental, também está maior. As duas principais redes de supermercados com atuação no Brasil, Carrefour e Pão de Açúcar, estão na mira de organizações não governamentais (ONG) ambientalistas internacionais, que exigem saber a origem de todos os produtos com origem na Amazônia e no Cerrado.

Ambas redes são francesas e, nesta semana, entidades europeias ligadas à defesa do meio ambiente entregaram uma carta ao Grupo Casino –– controlador do Pão de Açúcar no Brasil –– pedindo o rastreamento da carne brasileira. Estudo da ONG francesa Envol Vert, uma das signatárias do documento, aponta que 52 produtos vendidos nos supermercados da rede têm origem em fazendas que desmatam e promovem queimadas ilegais no Brasil.

O professor de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Rajão, explicou que a França, assim como diferentes países europeus, possui legislação que obriga as empresas a tomarem medidas para detectar possíveis evidências de irregularidades em seus sistemas de fornecimento.

“Isso torna ainda mais urgente melhorar a qualidade do monitoramento da cadeia, sobretudo nos indiretos. Hoje, não existe nenhum sistema ou instrumento governamental que apoie as empresas na verificação da possibilidade de que haja um desmatamento nas nossas cadeias”, explicou. Isso, segundo o especialista, deixa frigoríficos e supermercados vulneráveis. “Mesmo que estejam agindo de boa-fé, verificando os fornecedores diretos, não há controle sobre indiretos”, ressaltou.

Essa falha pode prejudicar economicamente o país. “Não só no Brasil, mas também fora, porque nenhum brasileiro, nenhum europeu e, em breve, nenhum chinês vai querer comprar uma carne vinculada a algum tipo de irregularidade ambiental. Quem tiver monitoramentos mais rígidos vai ganhar mercado”, afirmou.

De acordo com Raoni, é preciso entender que é uma tendência global. “Não é uma perseguição contra o Brasil. Não são os países que estão exigindo essas normas, são os consumidores. E o país tem tudo que é necessário para se adequar às novas exigências”, salientou.

Necessidade antiga

Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, não é de agora que o fornecedor de carne e de soja tem de provar que não desmata. A moratória da soja visa eliminar da cadeia de suprimento qualquer fazenda envolvida em desmatamento desde 2006 e, em 2009, o processo começou na pecuária. “O Pão de Açúcar foi o primeiro a se comprometer com desmatamento zero, em 2016”, lembrou.

“O problema é que não conseguem garantir que os produtos, principalmente da pecuária, não estejam envolvidos com o desmatamento. Há falhas em vários relatórios, adiamentos de compromissos e processos não concluídos, o que leva à possibilidade de o desmatamento constar na gôndola de qualquer supermercado que compra produto do Brasil. Agora está mais grave, porque o governo estimula o desmatamento. Os produtos brasileiros serão cada vez mais cobrados”, observou.

Adriana Charoux, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace, confirmou que os supermercados estão suscetíveis às políticas e sistemas de controle socioambiental de fornecedores dos frigoríficos. “Se os supermercados não atuarem de forma mais robusta para cobrar soluções efetivas e imediatas, como o controle de todos os elos de fornecimento da carne bovina, continuarão expondo os consumidores a tais riscos”, apontou.

A Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) informou, em nota, que suas associadas são signatárias de um acordo internacional, desde 2008, que bloqueia a aquisição de soja produzida em área desmatada na Amazônia. “Por meio desta política, conseguimos garantir aos nossos clientes que, na nossa cadeia produtiva, não entra soja que tenha sido produzida em área desmatada”, garantiu. Procurada pelo Correio, a Associação Brasileira da Agropecuária (Abag) não respondeu.

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Em breve, hortaliça será rastreada 

Israel Medeiros 

26/09/2020

 

 

Distinguir entre produtos orgânicos ou convencionais pode ser uma tarefa complicada porque, visualmente, ambos são idênticos. Mas a facilidade para conhecer a origem e as etapas de produção, especialmente quando o assunto são hortaliças, pode se tornar algo comum na rotina do consumidor. Foi o que explicou Warley Nascimento, chefe-geral da Embrapa Hortaliças. Em entrevista ao CB.Poder — uma realização do Correio Braziliense e da TV Brasília —, ontem, ele afirmou que, em breve, será possível consultar códigos de barras para ter certeza da qualidade oferecida.

“O Ministério da Agricultura e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) têm uma normativa a qual o produtor vai ter que se adequar. Nos próximos meses, ou anos, em toda hortaliça vai ter um código de barras. O consumidor vai saber a origem, qual o tipo de semente, qual o tipo de agrotóxico, e outros detalhes. Isso vai ser muito bom para a pessoa, que vai ter uma garantia de que está consumindo um produto de melhor qualidade”, explicou.

Para Nascimento, a novidade acompanha uma tendência da sociedade de saber a origem daquilo que come. “A geração atual quer saber a origem, como foi produzido, se possui agrotóxicos ou se vem de uma área desmatada. Sempre busca consumir produtos de qualidade. Hoje, no entanto, as hortaliças são comercializadas a granel, então a rastreabilidade fica difícil. Essas hortaliças passam por vários locais até chegar ao consumidor final”, afirmou.

Apesar de o momento ser positivo, o início da pandemia trouxe dificuldade, que obrigaram a adaptações. O isolamento mudou a forma de consumir, o que afetou o setor de restaurantes e, consequentemente, a demanda.

“Muitos brasileiros estavam acostumados a almoçar fora de casa. Com o isolamento, eles são obrigados a comer em casa. Por isso, vimos que a demanda por hortaliças caiu no início da pandemia. Nos restaurantes self-service, por exemplo, você consome de três a cinco espécies diferentes. Em casa, você geralmente opta por fazer uma salada mais rápida. As idas ao supermercado também diminuíram”, observou.

Passada a pior parte da pandemia, a procura por alimentos saudáveis, segundo Nascimento, foi canalizada para os orgânicos. “A gente observou uma procura maior por orgânicos, que são nutritivos, sem defensivos químicos, mais saudáveis e produzidos numa condição melhor do que os convencionais”.

O chefe-geral da Embrapa Hortaliças destacou, também, que grande parte da produção de hortaliças no Brasil é realizada por pequenos produtores, que têm dificuldades para conseguir crédito ou assistência. Para Nascimento, isso dificulta o desenvolvimento do setor e a melhoria na rastreabilidade dos produtos. Outro problema é a dependência do país de produtos importados, que deixa de beneficiar produtores locais. E exemplificou com o alho: pouco mais de uma década atrás, a área de plantação era de 18 mil hectares no país, mas, hoje, apenas 8 mil hectares são utilizados.

Outro ponto que deve ser repensado, na visão dele, é a falta de cooperação no setor de hortaliças. “Se a gente pegar a cadeia do leite, ou do frango, são mais organizados, têm cooperativas. O produtor de hortaliças é sozinho, compete com o vizinho, planta o mesmo que ele, compete no preço, não troca informações. A gente deveria ter mais associações, cooperativismo no setor”, sugeriu.

*Estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi

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Fiscalização da produção 

26/09/2020

 

 

Os dois principais grupos de varejo alimentar no Brasil, Carrefour e Pão de Açúcar, esclareceram ao Correio a preocupação que têm com a defesa do meio ambiente e o compromisso com a origem da proteína animal que põem à disposição dos consumidores.

Segundo o Pão de Açúcar, a propósito da carta remetida por entidades ambientalistas ao seu controlador, o grupo francês Casino, “há anos vem promovendo uma atuação e compromisso com o combate ao desmatamento ligado à criação de gado no país, por meio de uma política sistemática e rigorosa de controle da origem da carne bovina entregue por seus fornecedores”.

O Carrefour assegurou que mantém programas de produção sustentável de alimentos e de manutenção da biodiversidade, buscando desenvolver ações que preservem os biomas brasileiros e entreguem produtos de alta qualidade e confiabilidade. “A companhia exige de toda a sua cadeia de fornecimento o cumprimento à legislação ambiental e aos direitos humanos e repudia qualquer prática ligada ao desmatamento”, afirmou, em nota. O Pão de Açúcar acrescentou que, desde 2016, homologa todos os fornecedores nacionais, a fim de identificar a origem direta e garantir o cumprimento de critérios socioambientais na produção de carne in natura (resfriada e congelada).

Já o Carrefour destacou que, no final de 2019, promoveu agendas com os CEOs dos maiores frigoríficos, e tem feito uma aproximação executiva, em reuniões e por cartas, com esses parceiros comerciais, buscando evoluir em um plano de ação conjunto. Observou, ainda, que o grupo mantém a Plataforma de Pecuária Sustentável, que visa a fornecer carnes não oriundas de áreas de desmatamento. (SK e FS)