Correio braziliense, n. 20944, 26/09/2020. Cidades, p. 19

 

Português e inclusão social

Mariana Machado 

26/09/2020

 

 

Quando a advogada Adriana Diaz Lopez, 39 anos, deixou a Venezuela rumo ao Brasil, ela tentava uma vida nova com a filha Vitoria, 8. Dada a situação política e econômica da nação vizinha, ela viu-se sem escolha, exceto buscar refúgio no Brasil, e acabou cruzando a fronteira, em janeiro de 2020. A convite de uma amiga brasileira, veio para Brasília, onde, hoje, trabalha em um escritório jurídico. A guinada na vida apresentou um desafio grande: o idioma.

Adriana não falava nada de português, mas tinha vontade de aprender o mais rápido possível, para poder se adaptar bem. Foi quando conheceu o ProAcolher, um projeto de pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), que, com ajuda de voluntários, ensina, gratuitamente, a língua a migrantes e refugiados, desde 2013. As aulas presenciais atenderam mais de 2 mil pessoas, de 23 países diferentes. Com a pandemia do coronavírus, no entanto, o primeiro semestre deste ano não pôde ocorrer.

Em março, Adriana procurou a coordenadora, professora Lúcia Barbosa, e acabou conseguindo aulas particulares on-line com uma das voluntárias. “Ela me ajudou muito. Graças a ela, eu pude trabalhar. Comecei a ler os sites de alguns tribunais e a estudar”, comemora Adriana. Desde agosto, o projeto começou a dar aulas no formato virtual, permitindo a Adriana e tantos outros, o aprimoramento na língua portuguesa. “Eles nos ensinam as formas gramaticais corretas, mas vão além. Em uma aula, nos mostraram como tirar a carteira de trabalho, por exemplo. Em outra, tudo sobre o Sistema Único de Saúde (SUS).”

Para Adriana, isso tem permitido uma sensação maior de pertencimento ao novo lar. “Muitas vezes, a gente não está tão preocupado em ter um certificado, mas de aprender a falar melhor e se sentir incluído no país. Há 10 anos, vim ao Brasil como turista, mas, como refugiada, é diferente. Aqui, sinto grande empatia das pessoas, e nunca vivi xenofobia. Está dando tudo certo”, avalia a advogada.

A coordenadora Lúcia Barbosa explica que é trabalhado o português como língua de acolhimento, isto é, mais do que o idioma, os professores ensinam tudo que possa facilitar ao aluno, se sentir em casa. “Decidimos abrir o curso on-line porque a demanda é muito grande. As pessoas precisam disso, e elas nos procuram nas redes sociais pedindo informações. Demonstram vontade de estudar, então não quisemos decepcioná-los”, declara. Para este semestre, o ProAcolher teve 314 inscritos, sendo 136 de migrantes em Brasília, e o restante, de outros estados.

Com o novo formato, surgem, também, novos desafios. “A maioria só acessa internet via celular e isso, com certeza, é um problema”, avalia Lúcia. “Nós produzimos material didático, mas não conseguimos imprimir, porque é muita coisa. A gente disponibiliza no formato on-line, mas eles gostam muito de ter o livro, facilita o estudo. Se alguém pudesse contribuir com essa impressão, seria muito bem-vindo”, pede.

Oportunidade

A síria Asma Awad, 37, tem preferência por aulas presenciais, mas enxerga, no formato remoto, uma oportunidade. “O projeto apareceu para mim pela internet e é a primeira vez que faço aulas. É uma alternativa muito boa, porque, com o trabalho, nem sempre o deslocamento é fácil”, pondera. Fugindo da guerra, ela veio ao Brasil há seis anos, com os três filhos e o marido. “Fui aprendendo na rua, no dia a dia, conversando com as pessoas, mas as palavras são muito difíceis, então, agora, tenho ajuda para aprender direitinho.” Asma trabalha em um restaurante na Asa Sul e observa a melhora na conversação com os clientes. “Eu tinha medo de falar errado, mas os brasileiros ajudam muito.”

Para quem mora longe do DF, as aulas a distância estão sendo uma mão na roda. Também síria, Razan Al Nabulsi, 34, vive em São Bernardo do Campo (SP), e soube das aulas por intermédio de amigos. “Não tenho como ir a Brasília, então esta oportunidade tem sido muito boa. Além disso, tenho três filhos, não dá para sair de casa. É melhor para mim.” Enquanto as crianças estudam usando o computador, Razan usa o celular para aprender e fazer as atividades passadas pelos professores. “Gosto muito da língua. Acho muito chique. Quero trabalhar, falar mais e fazer faculdade de farmácia. Na Síria, as oportunidades de estudo são limitadas, mas, aqui, há muitas chances para estudar.”

Expansão

Com alta demanda, o ProAcolher vem conquistando mais espaços. Além do campus Darcy Ribeiro, na Asa Norte, e em Ceilândia, neste ano, o método chegou ao Centro Interescolar de Línguas do Guará (CILG). Professora da Secretaria de Educação, Fabíola Ribeiro soube do projeto, e decidiu aplicá-lo, com apoio de Lúcia Barbosa, na unidade de ensino. A adesão foi grande: “Estou com quase 80 alunos. Tenho três turmas, com aulas duas vezes por semana”, ressalta Fabíola.

Os estudantes vêm do Paquistão, Bangladesh, Marrocos, Gana e Venezuela. “Eles chegam com níveis variadíssimos de português, mas não é na forma mais culta e necessária para conseguir um emprego melhor. Tenho trabalhado isso com eles”, diz.

As aulas também são virtuais, exclusivas aos moradores do DF porque, uma vez que passe a pandemia, este modelo deverá ser suspenso, mas a professora espera que possa ser aplicado um modelo híbrido. “É difícil, para eles, ficar se deslocando. Tem aluno meu trabalhando enquanto assiste às aulas, mas ele está querendo prestar atenção e aprender. Claro que é importante se dirigir à escola para conhecer as pessoas, mas algo semana sim, semana não, seria maravilhoso.”

Frases

“O projeto apareceu para mim pela internet e é a primeira vez que faço aulas. É uma alternativa muito boa, porque, com o trabalho, nem sempre o deslocamento é fácil”

Asma Awad, estudante síria

“Gosto muito da língua. Acho muito chique. Quero trabalhar, falar mais e fazer faculdade de farmácia. Na Síria, as oportunidades de estudo são limitadas, mas, aqui, há muitas chances para estudar”

Razan Al Nabulsi, estudante síria

“Eles nos ensinam as formas gramaticais corretas, mas vão além. Em uma aula, nos mostraram como tirar a carteira de trabalho, por exemplo. Em outra, tudo sobre o Sistema Único de Saúde (SUS)”

Adriana Diaz Lopez, estudante venezuelana

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