O Estado de São Paulo, n.46281, 04/07/2020. Política, p.A10

 

Serra é denunciado por lavagem de R$ 4,5 milhões

Rayssa Motta

Pepita Ortega

Fausto Macedo

04/07/2020

 

 

MPF diz que senador recebeu, ao todo, R$ 27,8 milhões da Odebrecht de 2006 a 2010; força-tarefa fez buscas em imóveis ligados a tucano

Apreensão. Policiais federais durante buscas em São Paulo

O senador José Serra (PSDB-SP) e sua filha, Verônica Serra, foram denunciados ontem por lavagem de dinheiro pela força-tarefa da Lava Jato em São Paulo. Ao acusar formalmente o tucano, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou que ele recebeu R$ 27,8 milhões da Odebrecht entre 2006 e 2010 em troca de favorecer a empresa em contratos da Dersa, estatal paulista responsável por obras viárias como o Trecho Sul do Rodoanel. Serra nega ter cometido irregularidades.

Além de oferecer a denúncia, a força-tarefa cumpriu, ontem, oito mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao senador e outros investigados no Rio e em São Paulo. O objetivo é procurar provas que deem continuidade à apuração de eventuais crimes cometidos pelo tucano. Batizada de Revoada, a operação levou policiais federais à casa de Serra, no Alto de Pinheiros, zona oeste da capital paulista, e a um apartamento do empresário e ex-deputado Ronaldo Cezar Coelho, na Vila Nova Conceição, zona sul.

Segundo a denúncia, enquanto foi governador de São Paulo, entre 2007 e 2010, Serra manteve uma "relação espúria" com a Odebrecht, "dela vindo a efetivamente receber, direta e indiretamente, em razão das funções por ele ocupadas, substanciais recursos indevidos". O senador recebeu, de acordo com a Lava Jato, R$ 4,5 milhões da Odebrecht entre 2006, ano da eleição para governador, e 2007. A empreiteira, então, ficou fora de um decreto de renegociação de contratos assinado por Serra no início do mandato.

A investigação do MPF aponta que o dinheiro foi enviado para o exterior por meio de um esquema de lavagem de dinheiro em três camadas. Primeiro, cerca de 1,6 milhão de euros foram enviados pela Odebrecht para a conta do empresário José Amaro Pinto Ramos, também alvo de busca e apreensão ontem. A segunda camada, diz a Procuradoria, envolvia transferências de Amaro para uma offshore controlada por Verônica. Dali, o dinheiro seria transferido para outra conta no exterior.

Serra e Verônica "entre 2006 e, ao menos, 2014, ocultaram e dissimularam, por meio de numerosas operações bancárias, a natureza, a origem, a localização e a propriedade de valores sabidamente provenientes de crimes, notadamente de corrupção passiva e ativa, de fraudes à licitação e de cartel, praticando, assim, atos de lavagem de capitais tipificados", diz a denúncia.

O fato de ter havido movimentação financeira em uma das contas até 2014 fez com que o crime de lavagem de dinheiro não tenha prescrito. Segundo a lei, um investigado não pode ser punido por lavagem de dinheiro caso se passem 16 anos entre o fim do crime e a data da aceitação da denúncia. O prazo cai pela metade se o réu tiver mais de 70 anos – Serra tem 78.

Em 2018, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que eventuais crimes praticados pelo senador até 2010 estavam prescritos. Na denúncia de ontem, os procuradores não incluíram o crime de corrupção porque ele prescreveu. No julgamento de dois anos atrás, o Supremo determinou que a investigação de supostos pagamentos da Odebrecht recebidos por Serra ficassem na Justiça Eleitoral. A Lava Jato entendeu, porém, que, como o dinheiro circulou no exterior, o crime é federal, e não eleitoral.

Os procuradores pediram à Justiça o bloqueio de até R$ 40 milhões em uma conta bancária na Suíça que teria sido utilizada no esquema. O pedido e a denúncia serão analisados pela 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, que poderá tornar Serra réu.

Delatores. O relatório do MPF é reforçado pelo depoimento de dez delatores da Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS. Um ex-executivo da Odebrecht afirmou que o ex-governador paulista pediu R$ 4,5 milhões no fim de 2016 e indicou que o dinheiro deveria ser depositado em uma conta de Ramos. O empresário não foi denunciado porque também tem mais de 70 anos e os procuradores só encontraram provas de que o dinheiro passou por suas contas até 2007, o que significa que o crime de lavagem de dinheiro prescreveu. Nas planilhas da empreiteira baiana, Serra era identificado como "vizinho" porque morava próximo a um executivo da companhia.

Ainda segundo os delatores, Serra conferiu ao ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza a "missão de negociar como se daria e qual a contrapartida aos pagamentos ilícitos seria fornecida". Condenado a 145 anos de prisão em março do ano passado, Souza se apresentava a empresário como um "emissário" de dirigentes tucanos. Um exexecutivo da OAS disse, em delação, que Souza agendou reunião das empreiteiras no Palácio dos Bandeirantes com integrantes do governo. Em um encontro, ele pediu 0,75% sobre os contratos, para, de acordo com a denúncia, financiar campanhas do PSDB. 

Acusação formal

"( José Serra) Valeu-se de sua influência política para receber, da Odebrecht, pagamentos indevidos."

Ministério Público Federal

NA DENÚNCIA CONTRA O SENADOR