Correio braziliense, n. 20945, 27/09/2020. Política, p. 4

 

Desafio de ser pop na base da pirâmide social

Augusto Fernandes 

Ingrid Soares 

27/09/2020

 

 

Os reflexos da pandemia do novo coronavírus no bolso dos mais pobres vêm preocupando Jair . Por mais que o governo adote medidas para tentar preservar empregos e, sobretudo, socorrer os brasileiros que perderam a renda por causa da covid-19, o presidente da República terá de fazer mais para não perder a popularidade –– que, segundo a pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao Ibope, divulgada na última quinta-feira, deu ao atual governo uma aprovação de 40% e constatou 46% de confiança da população no chefe do Executivo –– entre essa parcela da população, que cobrará dele uma camada de proteção social mais ampla.

O recente número divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que indicou pelo menos 13 milhões de brasileiros desempregados, pressiona o governo a encontrar uma saída para o auxílio emergencial que seja tão eficiente quanto o benefício, que alcança mais de 67 milhões de pessoas. Ciente disso, na última semana, em diversas reuniões com deputados e senadores, deu as instruções à base no Congresso de como montar um novo programa de transferência de renda, que deve ser mais robusto do que o Bolsa Família.

O presidente quer acelerar as discussões para que o benefício possa ser repassado no início de 2021. Como o auxílio emergencial termina em 31 de dezembro deste ano, a ordem de é não deixar ninguém desamparado, como disse o senador Márcio Bittar (MDB-AC). O parlamentar, relator do Orçamento do próximo ano e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo, ficou incumbido de construir as regras do novo programa.

“O programa novo cria mecanismos que fazem com que as pessoas queiram ter a carteira assinada. Muitos têm medo de deixar o Bolsa (Família) hoje. Temos ideias que transformariam essa modernização em uma coisa mais ágil, mais refratária à fraude. Foram feitos muitos filtros, mas o novo programa faz um filtro a mais”, explicou Bittar.

O que também explica a urgência de em apresentar um substituto ao auxílio emergencial é o fato de o presidente querer dar uma garantia aos mais humildes de que não serão esquecidos pelo governo. O Palácio do Planalto acredita que, ao continuar transferindo renda para os pobres, faz com que a avaliação do presidente siga em alta neste estrato da população.

Insatisfação latente

O Executivo espera contornar a insatisfação das classes mais baixas com o governo pela redução das parcelas do auxílio de R$ 600 para R$ 300 e, sobretudo, pela alta no preço dos alimentos. Levantamento divulgado pela pesquisa Exame/Ideia, na semana passada, constatou uma alta na rejeição de exatamente pelos impactos negativos da deterioração do poder de compra entre os mais pobres.

Segundo os dados, o pior desempenho na popularidade do presidente foi observado entre quem ganha até um salário mínimo (R$ 1.045): 54% dos entrevistados nesta faixa de renda desaprovam a gestão . E 41% das pessoas que participaram da pesquisa responderam que o presidente é o culpado pela inflação dos alimentos.

“Estão todos conversando. O presidente da República está fazendo a parte dele; os líderes, também. É preciso entender que vai ter que tirar de algum lugar. Mas não podemos deixar as pessoas desamparadas. Busca-se o consenso dentro do possível”, comentou Bittar.

Apesar da mobilização do governo para chegar a um valor para o programa sucerssor do Bolsa Família, para a oposição, os mais humildes estão sendo abandonados, sobretudo pela redução do auxílio à metade. “Há quanto tempo não ouvíamos falar na palavra ‘carestia’? A carestia voltou para o dicionário econômico por causa daqueles que produzem e constroem esse modelo de desenvolvimento econômico centrado na ideia do Estado mínimo, que não protege, não planeja e não dá garantia de vida às famílias que mais precisam”, reclamou o deputado José Guimarães (PT-CE).

Parlamentares querem tentar manter o valor original do programa até dezembro e, para isso, pedem a votação da medida provisória editada pelo governo que prorrogou o benefício até o fim do ano. O texto já recebeu 264 emendas, a maioria delas para impedir que o auxílio caisse a R$ 300.

O deputado André Janones (Avante-MG) reclama da estratégia do governo em não querer votar a MP.  Segundo ele, “um auxílio emergencial digno, que permita aos brasileiros da baixa renda saírem vivos dessa pandemia, não é uma luta da direita ou da esquerda, mas do Brasil. Há eleitor da direita e da esquerda desempregado”, destacou.

Respostas

Para o cientista político Nauê Bernardo, resolver o acesso da população a postos de trabalho e alimentação será o grande teste de no último trimestre do ano. “Ele tem até o final do ano para conseguir dar uma resposta. Com o fim do auxílio, se não achar espaço para um programa social, a opinião negativa voltará a subir fortemente. O presidente sabe que precisa ter um plano de continuidade”, analisou.

Na visão do cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “o problema é tentar resolver questões políticas e econômicas ao mesmo tempo, o que demanda habilidade e liderança. Nisso, ele demonstra-se deficitário”, observou.