Título: Yoani recomenda firmeza ao Brasil
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 22/02/2013, Mundo, p. 15

Blogueira dissidente cobra do governo Dilma atitude sobre direitos humanos na ilha

A blogueira cubana Yoani Sánchez, opositora notória do regime comunista de Havana, começou sua agenda em São Paulo cobrando do governo brasileiro uma posição mais enérgica ao tratar dos direitos humanos na ilha. “Não sou diplomata, mas recomendaria um posicionamento mais firme, porque o povo não esquece”, disse ontem, durante um debate com leitores e jornalistas na sede do jornal O Estado de S.Paulo. Deixando de lado momentaneamente o tom cuidadoso que vinha mantendo desde a chegada ao país, ela reconheceu que o Brasil tem ajudado e apoiado a ilha, mas observou falta “dureza” ou “franqueza” quando o assunto é a repressão aos descontentes com o regime castrista.

Yoani chegou a São Paulo na noite de quarta-feira, depois da passagem de seis horas por Brasília, que incluiu uma concorrida visita ao Congresso, em meio a muita confusão e discursos acalorados de parlamentares governistas e oposicionistas — “o dia mais louco da minha vida”, como ela própria resumiu. Por onde passa, Yoani é questionada sobre suas posições com relação ao regime, ao embargo econômico imposto pelos Estados Unidos e à liberdade de expressão, entre outros temas. Ontem, pela primeira vez, usou um tom crítico para abordar o silêncio do Brasil com relação aos direitos humanos.

No evento, transmitido pela internet, ela argumentou que o Brasil estreitou vínculos com Havana durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, e cobrou uma postura mais enérgica do país sobre esse tema. Em sua primeira viagem à ilha, em janeiro de 2012, Dilma foi pressionada com pedidos de organizações humanitárias para que abordasse o assunto após a morte de um dissidente cubano em greve de fome, dias antes. Na época, a presidente respondeu que uma discussão sobre o tema teria de incluir a tortura e outras violações cometidas na base americana de Guantánamo, onde os EUA mantêm acusados de terrorismo. “Não é possível fazer da política de direitos humanos uma arma de combate político-ideológico”, declarou Dilma.

Quanto ao embargo americano, Yoani voltou a defender seu fim e afirmou que há divergências entre os próprios cubanos. “Nas ruas de Havana, você vai encontrar pessoas que acham necessário manter o bloqueio e outras que acham que ele precisa acabar”, relatou. Os defensores da medida americana, explicou, argumentam que ela forçará reformas democráticas. “Outros, como eu, acham que é preciso acabar com isso.”

Desde sua chegada ao Brasil, na segunda-feira, Yoani tem inspirado manifestações de apoio e de repúdio. Em Feira de Santana (BA), ativistas que a acusavam de ser “agente da CIA” impediram a exibição do documentário Conexão Cuba Honduras, no qual ela é uma das entrevistadas. Na capital paulista, onde a estada tem sido mais tranquila, ela fica até amanhã, quando embarcará para a República Tcheca e a Alemanha. Yoani está em périplo internacional de 80 dias depois de se beneficiar de uma reforma migratória da ilha dos irmãos Castros, que lhe permitiu deixar o país depois de seis anos de tentativas. Em março, quando chegar aos EUA, deverá visitar parentes que vivem na Flórida, como a maior parte dos cubanos exilados.

Uma possível visita à Argentina acabou no centro de outra polêmica envolvendo Yoani. Segundo o jornal Clarín, adversário da presidente Cristina Kirchner — que se alinha internacionalmente com o regime cubano —, o marido da blogueira, Reinaldo Escobar, reclamou da burocracia e da lentidão do consulado argentino em Havana para expedir visto para Yoani. O Clarín informou que o chanceler argentino, Héctor Timerman, em um evento oficial no Rio de Janeiro, negou que houvesse qualquer injunção política na emissão do visto.

Exilados pedem fim do bloqueio Pela primeira vez, cubanos que vivem no exílio pediram ontem que os Estados Unidos levantem o embargo econômico imposto à ilha há mais de 50 anos. Em documento divulgado em seu site na internet, o Cuba Study Group (CSG) defendeu o fim do bloqueio para impulsionar reformas na ilha, iniciadas de maneira cautelosa pelo presidente Raúl Castro. A organização independente foi criada em 2000 por profissionais e empresários americanos descendentes de cubanos.