Correio braziliense, n. 20946, 28/09/2020. Política, p. 3

 

Maioria de pretos e pardos

Sarah Teófilo 

28/09/2020

 

 

O registro de candidaturas para as eleições deste ano teve uma mudança inédita: mais pessoas autodeclararam pretas e pardas do que brancas na ficha de identificação. Até o fim da tarde de ontem, o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrava que, de 544.288 inscritos, 49,8% informaram ser pretos e pardos, enquanto 47,8% se declararam brancos. No último pleito municipal, em 2016, o cenário era inverso, com praticamente o mesmo percentual verificado agora.

O que puxa a estatística neste ano é o número de vereadores: 50,8% são pretos e pardos, enquanto 46,8% são brancos. No caso de prefeitos e vice-prefeitos, a maioria dos candidatos são brancos, sendo 63,2% e 59%, respectivamente. O prazo para registro de candidaturas encerrou-se no último sábado, mas os números do sistema do TSE ainda devem sofrer alteração nesta semana, quando será concluído o processamento e a inclusão de informações. As inscrições ainda serão analisadas pela Justiça Eleitoral.

Neste ano, com a intenção de garantir divisão igualitária do fundo eleitoral, o Tribunal decidiu que partidos políticos devem repartir recursos que recebem proporcionalmente para candidatos negros e brancos. A medida valeria a partir de 2022, mas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, antecipou a decisão para este ano. A liminar ainda precisa ser analisada pelo plenário da Corte.

Professora de Direito Constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Luciana Ramos avalia que o aumento de candidatos pretos e pardos foi muito pequeno, “na margem de erro”. “Não vejo como um aumento. O que dá para dizer é que equilibrou”, afirma. Para ela, a diferença pode ter relação com o reconhecimento cultural das pessoas. “Antes, as pessoas tinham vergonha de se declarar pretas e pardas. Isso é o que eu ouço do movimento negro. Há um processo de conscientização que pode ter gerado um efeito”, explica.

Presidente do Tucanafro, o Secretariado da Militância Negra do PSDB, Gabriela Cruz acredita que o aumento tenha relação com a decisão do TSE. Para ela, candidatos brancos podem ter mudado a autodeclaração acreditando que, assim, seriam beneficiados com a divisão do fundo eleitoral –– ou seja, se uma legenda tem 100 candidatos, sendo 20 identificados como negros, 20% do fundo devem ser repassados a eles.

Gabriela ressalta, ainda, que as manifestações antirracistas podem ter feito com que mais pessoas se reconhecessem como negras. “Pode ser que tivessem vergonha, não tinham coragem de autodeclarar negras”, observa. Ela defende, ainda, que sejam estabelecidos critérios de heteroidentificação dos candidatos que se dizem pretos e pardos, sempre considerando o fenótipo da pessoa.

Pequena alteração

No caso da representação feminina, dados dos TSE mostram que 33,1% das candidaturas são de mulheres, enquanto 66,9% são homens –– um aumento em relação a 2016. Naquele ano, a proporção era de 31,9% para 66,9% de homens. Nas eleições majoritárias de 2018, o cenário também foi parecido.

Para a professora Luciana Ramos, a diferença entre os pleitos é pequena e não significa exatamente uma mudança. Segundo ela, o público feminino fica sempre próximo dos 30%. “A regra (de cota mínima de candidatas) acaba virando não só o piso, como o teto. Não consegue passar de 40%”, afirma. A decisão de reserva de 30% de candidaturas para mulheres foi estabelecida pela Lei de Cotas, de 1997.

A presidente do Tucanafro diz que esperava um percentual maior. “Com tantas campanhas de incentivo à participação feminina no nosso país, com grupos organizados e fóruns de discussão, acreditei que fosse aumentar”, lamenta.