O globo, n. 31810, 09/09/2020. País, p. 14

 

Procuradoria foi contra perdão a dívidas de igrejas

Marcello Corrêa

09/09/2020

 

 

Órgão do Ministério da Economia apontou violação da Constituição e da Lei de Responsabilidade Fiscal em parecer a senadores, que confirmaram anistia aprovada pela Câmara; Bolsonaro tem até sexta para vetar

 A decisão do Congresso Nacional de perdoar dívidas tributárias milionárias contraídas por igrejas e templos contrariou um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão ligado ao Ministério da Economia. A proposta, apresentada pela bancada evangélica e aprovada no fim de agosto, prevê que instiuições religiosas fiquem livres da cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Além disso, anula todas as multas aplicadas até agora pelo não pagamento desse tributo.

A medida, que vinha sendo negociada desde o ano passado, foi apresentada pelo deputado federal David Soares (D EM- SP ), filho do missionário R. R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus. O parlamentar incluiu a proposta em um projeto de lei que trata sobre regras para pagamento de precatórios.

Segundo a PGFN, a medida vai de encontro à Constituição, que prevê que igrejas sejam isentas de impostos, mas não de contribuições —um tipo diferente de tributo que inclui a CSLL. Em outra frente, o texto anula as multas pelo não pagamento de contribuições previdenciárias que incidem sobre remunerações de pastores, padres e sacerdotes aplicadas antes de 2015, quando essas cobranças foram suspensas por out ralei. O órgão aponta que as instituições religiosas têm hoje R$ 889 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativada União, mas nem todas as pendências seriam beneficiadas pelo projeto aprovado pelo Congresso.

O órgão também alerta que a medida fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que propostas para conceder ou ampliar benefícios tributários sejam acompanhados da fonte de custeio para o incentivo.

“Não parece ser possível ao legislador, diante do princípio da isonomia e da capacidade contributiva, que desonere ou renuncie à receitas públicas sem estar albergado em valores de envergadura constitucional, que parecem não semostrarem presentes no caso ”, diz trecho do parecer.

O documento foi elaborado no fim de agosto. O objetivo do alerta era que senadores alterassem a proposta aprovada na Câmara. O Senado, no entanto, aprovou o texto sem alterações. O presidente Jair Bolsonaro tem até sexta-feira para sancionar ou vetar o projeto total ou integralmente.

A proposta de perdão tributário ocorre em um momento em que a equipe econômica tem defendido a redução dos benefícios tributários, que diminuem a entrada de recursos nos cofres públicos. Só no ano que vem, essas renúncias fiscais chegarão a R$ 341,9 bilhões, de acordo com dados da Receita Federal.

Ao mesmo tempo, o pedido da bancada evangélica ocorre quando Bolsonaro busca aumentar a interlocução com parlamentares. Caso sancione a medida, este não seria o primeiro aceno do presidente ao segmento. No ano passado, o governo apoiou um projeto de lei que flexibiliza obrigações fiscais de instituições religiosas. A articulação foi selada após um encontro com o deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ).