O globo, n. 31810, 09/09/2020. Sociedade, p. 19

 

Astrazeneca pausa teste de vacina contra a Covid-19

Rafael Garcia

Evelin Azevedo

Flavia Martin

09/09/2020

 

 

lmunizante de Oxford passa por ensaio clínico no Brasil e em outros países; cientistas investigam reação adversa

A farmacêutica AstraZeneca disse ontem ter feito uma pausa no teste da vacina de Covid-19, que desenvolve em parceria com a Universidade de Oxford, após um voluntário ter sofrido um episódio de reação adversa no Reino Unido. A vacina está em teste também no Brasil, coordenado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pelo Instituto D’Or, com vacinação de voluntários no Rio, em São Paulo e Salvador.

A informação sobre a pausa foi noticiada pelo site Stat, ligado ao jornal Boston Globe, com base em fontes de informação anônimas. Mais tarde, a empresa confirmou a interrupção em nota enviada à imprensa.

“Como parte de um teste controlado, randomizado e global da vacina de coronavírus de Oxford, nosso procedimento padrão de revisão desencadeou uma pausa na vacinação para permitir a revisão de dados de segurança”, disse a AstraZeneca no comunicado, esclarecendo que a interrupção é medida “de rotina” para garantir a “integridade dos testes”. As ações da empresa haviam fechado em alta de 2,11% na Bolsa de Valores de

Nova York ontem, mas nas negociações após o horário comercial, depois da notícia, tiveram queda de 6,5%.

A Unifesp afirmou que a pausa é “prática comum” em estudos clínicos e que os trabalhos devem ser retomados após conclusão da análise. “O comitê de monitoramento de segurança do estudo analisa se o caso tem ou não relação com a vacina”, disse a universidade em comunicado à imprensa. “No Brasil, o estudo envolve cinco mil voluntários e avança como o esperado. Muitos já receberam a segunda dose e até o momento não houve registro de intercorrências graves de saúde.”

‘SEM PÂNICO’

Segundo o jornal “New York Times”, a reação adversa registrada em um voluntário e que causou a paralisação foi uma mielite transversa, um tipo de inflamação na medula espinhal.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que a AstraZeneca já comunicou a interrupção do estudo a todos os países participantes. Em nota, o órgão brasileiro afirmou que vai aguardar mais informações do laboratório para se pronunciar oficialmente.

Para Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), interrupções como essa são “normais”:

— Isso dá mais segurança de que as etapas não serão puladas, o que é a nossa grande preocupação — afirmou Ballalai.

— Na pesquisa, toda e qualquer ocorrência grave, mesmo que os pesquisadores entendam que pouco provavelmente tenha a ver com a vacina, precisa e deve ser investigada. A pesquisa serve para isso. A interrupção ocorre enquanto se investigam adequadamente outras possíveis causas para essa situação grave. Não vamos expor outras pessoas. Garantir uma vacina segura para a população é garantir que todas as etapas serão cumpridas.

A microbiologista da USP Natalia Pasternak, colunista do GLOBO, concorda, e diz que sempre que se está “no meio de um ensaio clínico e surge uma reação adversa você tem que interromper para investigar e saber se essa reação realmente foi causada pela vacina ou se foi por outro fator que aconteceu na vida daquele voluntário”.

—Em situações como essa, o ensaio é interrompido, ou seja, não se recruta mais ninguém, até se resolver a investigação. Quem já está participando continua sendo acompanhado normalmente.

O que isso pode causar, acrescenta Natalia Pasternak, é um atraso no término da pesquisa.

— A expectativa era que a vacina ficasse pronta até o fim do ano e talvez demore mais do que isso. Mas essa situação é normal na fase três. Por isso, sempre falamos que não dá para prever quanto tempo uma fase três pode durar, porque sabemos que essas coisas podem acontecer no meio do caminho — afirma a microbiologista.

— Efeitos adversos raros só vão aparecer quando se vacinam milhares de pessoas. Então é normal. Quanto mais gente você vai vacinar, maior é a probabilidade de aparecer algum efeito adverso grave. E a fase três serve exatamente para isso. A pausa mostra que os testes de segurança estão atentos e que estão acompanhando as pessoas e por isso pegaram esse caso grave. Não há motivo para pânico.

Em junho, o Ministério da Saúde anunciou um acordo com Oxford para a produção inicial de 30,4 milhões de doses da vacina, com investimento de US$ 127 milhões. O primeiro lote foi anunciado para dezembro e o segundo para janeiro. Haverá transferência de tecnologia para a produção em Bio-Manguinhos, laboratório da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

OUTRAS PESQUISAS

O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, disse, antes de a notícia da interrupção vir à tona, que a intenção do governo brasileiro é começar a vacinar as pessoas a partir de janeiro do ano que vem. Segundo o ministério, as doses só serão ministradas após a finalização dos estudos clínicos e a comprovação de eficácia da vacina.

O governo já afirmou anteriormente, em agosto, que não será possível vacinar toda a população de uma vez e que haverá uma ordem de prioridade, a mesma que guia, atualmente, a estratégia de imunização da gripe. De acordo com a pasta, a maneira como será ministrada a vacina será definida a partir da comprovação de sua eficácia.

O Brasil também testa outras vacinas candidatas. O laboratório chinês Sinovac conduz estudos sobre seu imunizante, também em fase três, em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo. As tentativas de imunização da Janssen Pharmaceuticals, da Johnson & Johnson, e da parceria entre Pfizer e BionTech também já obtiveram autorização para testes no país. Já o governo do Paraná espera autorização para começar os testes da vacina russa Sputnik V em até 10 mil voluntários. Segundo o governo russo, os resultados iniciais de seu imunizante foram bem-sucedidos, embora a comunidade científica seja reticente.