O globo, n. 31810, 09/09/2020. Economia, p. 25

 

Preços sobem, e governo não vai intervir

09/09/2020

 

 

Alimentos disparam no momento em que auxílio será reduzido à metade

 Pela segunda vez em menos de uma semana, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem um apelo aos donos de supermercados para que diminuam os preços dos alimentos.

A alta dos produtos da cesta básica, provocada por valorização do dólar, aumento das exportações e período de entres safra, pegou o governo de surpresa no momento em que ele se prepara para reduzir o valor do auxílio emergencial à metade. O presidente, contudo, afirmou que não vai intervir, e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, garantiu que não haverá desabastecimento.

O auxílio emergencial de R$ 600 mensais pago a mais de 60 milhões de pessoas garantiu a manutenção do consumo nos últimos meses.

— Eu tenho apelado para eles. Ninguém vai usar caneta Bic para tabelar nada, não existe tabelamento, mas estou pedindo para eles que o lucro desses produtos essenciais no supermercado seja próximo de zero — comentou Bolsonaro.

Feijão, arroz, carne, leite e óleodesojajásubirambastante, e mais aumentos são esperados, já que os preços no atacado ainda estão em alta.

CONTROLE DAS EXPORTAÇÕES

Ontem, a Associação Brasileira de Procons e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediram ao ministro da Economia, Paulo Guedes, o monitoramento das exportações para garantir o abastecimento interno após o aumento das vendas para o exterior ter sido apontado como um dos fatores para a alta de preços.

— A gente acionou o governo federal para que ele acompanheemonitore(asituação). E, de repente, estabeleça tetos de exportação, para garantir o abastecimento interno. E que eventualmente invista na agricultura familiar e nas cooperativasrurais,que não vão exportar,vão gerar empregos e ainda movimentar a economia regional —diz Filipe Vieira, presidente da ProconsBrasil.

Segundo André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), um dos fatores preponderantesnesseaumento de preços é a alta do dólar. Em agosto do ano passado, a moeda valia R$ 4,02. Um ano depois, R$ 5,46, uma alta de 36%. Essa desvalorização do real fez os preços de produtos como soja, milho e carnes, que são cotados internacionalmente em dólar, subissem mais. Além disso, tornou o produto brasileiro mais competitivo no mercado externo, fazendo a produção ser dirigida para o exterior.

— Com o dólar mais alto, as exportações brasileiras ganham competitividade. Maior exemplo é a carne. A China tem comprado todos os tipos de carne e aumentado a demanda internacional —comenta o economista.

O presidente tem sido alvo de constantes questionamentosnasredessociaissobreoaumento dos preços. Ontem, foi a vez da youtuber mirim Esther,de10anos,convidadapor Bolsonaro para participar de uma reunião ministerial, perguntar se o valor do arroz “vai aumentar mais”.

— Tereza Cristina, o arroz vai aumentar ou vai baixar? —perguntou Bolsonaro.

— O arroz não vai faltar. Agora ele está alto, mas nós vamos fazer ele baixar. Se Deus quiser, vamos ter uma supersafra —respondeu a ministra.

O arroz segue a lógica do mercado internacional: o preço subiu, e as exportações ficaram mais vantajosas. O produto teve alta de 15,69% no ano até julho,mas,no atacado,a saca vem subindo sistematicamente. Em agosto, subiu 39%.

Segundo a ProconsBrasil, já há registros de um saco de cinco quilos de arroz chegando a custar R$ 40 —o que inspirou até memes nas redes sociais.

COMPRAS LIMITADAS

Na última semana, a questão do aumento de preços foi levada ao governo federal pela entidade de defesa do consumidor e pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que alertou para a possibilidade de desabastecimento nas lojas. Em algumas unidades de duas redes no Rio, nesta semana, limites para as compras, por cliente, começaram a ser adotados.

Uma delas informou que limitouacompraadezquilosde arroz e cinco unidades de óleo de soja, por cliente, por tempo indeterminado para garantir que um maior número de pessoas possa fazer compras. Em umaredeconcorrente,emBotafogo, a estratégia se repete: cada cliente pode comprar número reduzido de unidades de óleo de soja e de arroz. Braz, da FGV, explica, contudo, que alguns aumentos de preços são temporários. É o caso de produtos como leite e seus derivados:

— No inverno, o pasto fica mais seco, o gato não come direito, a produção cai, o produtor precisa complementar com ração, e os preços sobem. Mas é um efeito concentrado, a partir do fim de setembro, início de outubro, os preços já voltam a cair.