O globo, n. 31811, 10/09/2020. País, p. 5

 

Lava-Jato mira advogados e apura desvios do Sistema S

Chico Otavio

Daniel Biasetto

Juliana Dal Piva

Aguirre Talento

10/09/2020

 

 

Segundo MPF, R$ 151 milhões foram direcionados a escritórios por Orlando Diniz, que buscava proteção no Judiciário; lista de réus inclui defensores de Lula e Witzel

 A Justiça Federal do Rio tornou réus ontem 26 acusados de integrarem um esquema que teria desviado R$ 151 milhões de entidades do Sistema S, entre 2012 e 2018. O novo desdobramento da Operação Lava-Jato no estado mirou advogados que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), receberam recursos, por meio de contratos forjados, em troca de um possível tráfico de influência em processos em curso no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Poder Judiciário, além de procedimentos no Conselho Fiscal do Sesc Nacional.

A denúncia afirma que o esquema beneficiava Orlando Diniz, que presidia Sesc, Senac e Fecomércio no Rio. Ele se tornou delator e forneceu informações que embasaram as investigações. A força-tarefa da Lava-Jato do Rio afirma que Diniz e advogados como Roberto Teixeira a Cristiano Zanin, ambos defensores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral, e Ana Tereza Basílio, que representa o governador afastado Wilson Witzel, integravam uma organização criminosa.

Também estão na lista os advogados Tiago Cedraz, filho do ministro do TCU Aroldo Cedraz, Eduardo Martins, filho do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do STJ. Cabral também virou réu. Não há imputação de crime a nenhum magistrado, e nem há afirmação, segundo o MPF, de que a proteção nos tribunais foi de fato conseguida por Diniz.

O advogado Frederick Wassef, que atuou para o presidente Jair Bolsonaro e para o senador Flávio Bolsonaro (RepublicanosRJ), foi alvo de mandado de busca e apreensão ontem, mas não foi denunciado pelo MPF. Os procuradores suspeitam que ele tenha lavado R$ 2,6 milhões desviados do esquema. Ao todo, foram cumpridos 50 mandados de busca e apreensão.

Na delação premiada, Diniz disse que firmou contratos fictícios com escritórios de advocacia em busca de proteção contra investigações e processos. A denúncia afirma que não havia efetiva prestação de serviços para Sesc, Senac e Fecomércio no Rio.

As verbas que o MPF sustenta terem sido desviadas têm origem na contribuição social compulsória incidente sobre a folha salarial dos trabalhadores do comércio e são, portanto, recursos públicos.

“Os pagamentos objeto desta denúncia eram feitos algumas vezes sob contratos de prestação de serviços advocatícios ideologicamente falsos”, escreveram os procuradores na denúncia.

RISCO DE AFASTAMENTO

Além das delações, a acusação se baseia em buscas e apreensões, extração de dados de smartphones, quebras judiciais de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático e representação fiscal para fins penais da Receita Federal, os quais foram, segundo o MPF, “aptos a corroborar a delação de Diniz”.

A força-tarefa apurou que o esquadrão jurídico foi montado por Diniz em 2012, quando o Conselho Fiscal do Sesc, na época presidido por Carlos Gabas, exministro da Previdência Social e da Aviação Civil (nas gestões de Lula e Dilma Rousseff ), encontrou irregularidades da gestão do Sesc-RJ, no ano anterior. Como a Fecomércio-RJ geria o Sesc-RJ, que recebia recursos federais, Diniz passou a correr o risco de afastamento, Para permanecer no cargo, foi convencido a procurar pessoas que tivessem influência junto ao governo federal e a tribunais em Brasília. Foi assim que Diniz chegou a Roberto Teixeira e Cristiano Zanin e aos demais escritórios indicados por eles, diz a denúncia.

De acordo com a investigação, o escritório de Eduardo Martins recebeu R$ 40 milhões da Fecomércio RJ. Segundo a denúncia, Diniz acreditava na influência de Martins junto a ministros dos tribunais superiores. No caso de Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, o MPF diz que os recursos recebidos somaram R$ 12 milhões.

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Alvos falam em intimidação e (falta de conexão com realidade”

10/09/2020

 

 

Advogados de Lula e Witzel afirmam que prestaram serviços contratados

 Os alvos da Operação E$quema S negam as acusações de desvios de dinheiro público. O advogado Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divulgou nota em que define a operação como uma “tentativa de intimidação” por seu trabalho, que “desmascarou arbitrariedades da Lava-Jato’. Ele afirmou ainda que o juiz Marcelo Bretas é ligado ao presidente Jair Bolsonaro e que a decisão “está vinculada ao trabalho em favor de um delator assistido por advogados ligados ao senador Flavio Bolsonaro”.

“A iniciativa do Sr. Marcelo Bretas de autorizar a invasão da minha casa e do meu escritório de advocacia a pedido da Lava-Jato somente pode ser entendida como mais uma clara tentativa de intimidação do Estado brasileiro pelo meu trabalho como advogado, que há tempos vem expondo as fissuras no Sistema de Justiça e do Estado Democrático de Direito”, afirmou Zanin.

O escritório do advogado Tiago Cedraz, filho do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz, também negou as acusações e afirmou esperar que “a verdade seja restabelecida”. “O escritório tem convicção de que os eventos de hoje são absurdos e reprováveis. Além disso, acredita que a verdade logo será reestabelecida”, diz a nota.

O ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) César Asfor Rocha alega que “as suposições do Ministério Público não têm conexão com a realidade” e que jamais prestou serviços para a Fecomércio e Orlando Diniz. Filho de Asfor Rocha, o advogado Caio Rocha afirmou que seu escritório “jamais prestou serviços nem recebeu qualquer quantia da Fecomércio” e que as acusação do Ministério Público “são tratativas para um contrato que nunca se consumou”.

O escritório Basilio Advogados — da advogada Ana Tereza Basilio que defende o governador do Rio afastado, Wilson Witzel — informou que atuou entre 2013 e 2017 em mais de 50 processos da Fecomércio, tanto na Justiça Estadual como na Justiça Federal. “Todos os nossos advogados trabalham de forma ética e dentro da legalidade. O escritório confia na Justiça e está à disposição para qualquer esclarecimento”, disse em nota.

Em nota, Frederic Wassef negou participar do esquema da Fecomércio ou ter trabalhado para a federação e ressaltou que não foi denunciado como os outros advogados. “O delator Orlando Diniz está deliberadamente mentindo a meu respeito a mando de advogados inescrupulosos que estão usando-o como míssil teleguiado para me atingir visando atender o interesse de um outro cliente em comum”.

Em nota, o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, afirmou que não iria se manifestar. O GLOBO não conseguiu contato com Eduardo Martins, filho do presidente do STJ. A assessoria do tribunal informou que o ministro Napoleão Maia não respondeu.