O globo, n. 31811, 10/09/2020. Economia, p. 19

 

Após negar intervenção

Gabriel Shinohara

Victor Farias

Luciana Casemiro

Marcello Corrêa

10/09/2020

 

 

Governo notifica supermercados sobre preços e zera imposto de importação

 Após afirmar que não interviria para conter a alta dos produtos da cesta básica, o governo zerou o imposto de importação do arroz, e a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, intimou supermercados e produtores a explicarem a subida dos preços, sob pena de multas. A Associação Brasileira de Supermercados diz que setor não é o vilão da carestia.

Um dia depois de dizer que não iria intervir para baratear produtos da cesta básica, o governo deu ontem sinais opostos sobre como pretende lidar com a alta de preços. Em uma frente, decidiu zerar o imposto de importação que incide sobre o arroz, no que técnicos da equipe econômica consideram uma “solução de mercado”. Mas, ao mesmo tempo, intimou supermercados e cooperativas a explicarem o encarecimento da cesta básica. Caso seja verificado aumento abusivo de preços, as empresas podem ser multadas em até R$ 10 milhões.

A notificação foi feita pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça. A medida exige que dez empresas e associações do ramo de produção de alimentos e 21 redes de distribuição prestem esclarecimentos sobre o aumento de produtos como arroz, feijão, leite e óleo de soja.

A Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que se reuniu ontem com o presidente Jair Bolsonaro, foi notificada a apresentar dados. O prazo para responder é de dez dias. O presidente da entidade, João Sanzovo Neto, disse após o encontro que o setor não pode ser considerado “vilão” pela alta de preços.

Mais tarde, Bolsonaro disse a apoiadores, na porta do Alvorada, que as autoridades dos supermercados estão empenhadas para reduzir o preço da cesta básica:

— Não vamos interferir no mercado de jeito nenhum, não existe canetaço para resolver o problema da economia.

A medida do Ministério da Justiça se baseia em um artigo do Código de Defesa do Consumidor que proíbe o aumento “sem justa causa” dos preços de produtos e serviços. O documento exige, entre outros pontos, que supermercados citem três itens que mais sofreram aumento, informem quais os três principais fornecedores desses itens e qual foi o preço médio praticado por eles nos últimos seis meses. Não houve até agora, porém, qualquer indício de alta abusiva ou irregular de preços. O aumento reflete a entressafra, o consumo maior com o auxílio e o comportamento do dólar, de acordo especialistas.

Segundo Juliana Domingues,titular da Senac on, as notificações têm como objetivo identificar, com clareza, quais são as causas do aumento para permitir uma atuação eficaz do órgão. Ela destaca que não se pode falarem aumento abusivo sem verificar toda cadeia de produção e as oscilações decorrentes da pandemia:

—Será formado um comitê, no qual teremos representantes do Ministérioda Agricultura, do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e do Ministério da Economia, além dos Procons.

Em linha diferente, integrantes da equipe econômica defendem que a disparada de preços seja solucionada por meio das regras de mercado. Segundo fonte próxima ao ministro da Economia, Paulo Guedes, o objetivo é “não cair na tentação” de reeditar os chamados “fiscais do Sarney” —expressão popularizada durante o congelamento de preços adotado pelo ex-presidente José Sarney para controlar a hiperinflação, sem sucesso.

ISENÇÃO TEM EFEITO LIMITADO

Essa solução de mercado foi a redução a zero, até o fim do ano, das alíquotas do imposto de importação sobre o arroz, anunciada ontem pela Câmara de Comércio Exterior (Camex). Como o tributo é regulatório, o objetivo é estimular a entrada de produto estrangeiro no país.

A expectativa é que até 400 mil toneladas do produto poderão entrar no Brasil sem pagar a tarifa, de até 12%. A medida, no entanto, deve ter efeito limitado. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a importação de arroz total no ano esperada é de 1,1 milhão de toneladas, ou 10% dos 10,8 milhões de toneladas que serão consumidos pelo país da safra 2019/2020.

Para o vice-presidente Hamilton Mourão, a alta dos alimentos é resultado do maior consumo interno, ocasionado pelo auxílio emergencial:

—É a questão da lei da oferta e da procura. Uma porção de gente está comprando porque o dinheiro que o governo injetou na economia foi muito acima daquilo que as pessoas estavam acostumadas. Tanto que está tendo grande compra de alimentos e material de construção. Então, as pessoas estão se alimentando melhor e melhorando as suas casas.

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Abras: Não vamos ser vilões de uma coisa pela qual não somos responsáveis”

10/09/2020

 

 

Após reunião com o presidente Jair Bolsonaro, ontem, o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto, disse que os empresários não serão os vilões de algo pelo qual não são responsáveis. Bolsonaro vem fazendo apelos aos supermercados, pedindo a redução da margem de lucro em produtos da cesta básica.

—Nós não vamos ser vilões de uma coisa pela qual não somos responsáveis, muito pelo contrário —afirmou.

Sanzovo explicou que a margem de lucro de produtos básicos, como o arroz, é muito baixa, devido à concorrência de mercado. Ele disse também que, atualmente, os donos de supermercados estão vendendo abaixo do que custaria para repor o produto, uma vez que trabalham com estoques e custo médio.

—São 90 mil pontos no Brasil, e o consumidor vai onde o preço está mais barato. Nós não temos um cartel, ninguém combina preço nem nada, é concorrência pura.

O presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), Fábio Queiroz, concorda que os empresários não podem ser responsabilizados:

—Quanto mais barato comprarmos, mais barato vamos vender, porque somos meros repassadores de preços.

TROCA DE ARROZ POR MASSA

Sanzovo e Queiroz afirmaram que os supermercados vão continuar negociando com os fornecedores para tentar reduzir os preços. Ainda assim, ressalta o presidente da Asserj, o consumidor deve realizar substituições para que os preços diminuam:

— Estamos comprando somente o necessário para repor estoque e incentivando, por meio de promoções, que o consumidor substitua produtos com alta de preço. Cito, por exemplo, a batata e o macarrão, que tiveram baixa de preço, em substituição ao arroz. Faço um apelo ao consumidor que use o caderninho para pesquisar preço se a criatividade para substituir produtos.

O presidente da Abras disse que “é difícil dizer” se existe a possibilidade de faltar arroz nas prateleiras, mas que a orientação é que a população não faça estoque e substitua o produto por massa:

— Isso vai ajudar o preço a diminuir, mais a entrada da importação. É trabalhar na oferta e na procura. É isso que funciona, o resto não funciona. O Brasil já viveu tabelamento, já viveu congelamento de preço, o produto some da prateleira.