O Estado de São Paulo, n.46286, 09/07/2020. Política, p.A14

 

Bolsonaro veta obrigatoriedade de água para índios

Luci Ribeiro

Rayssa Motta

Rafael Moraes Moura

Tulio Kruse

Dida Sampaio

Bruna Pinheiro

09/07/2020

 

 

Lei ainda dispensa fornecimento de cesta básica durante pandemia; Barroso determina que União adote medidas de proteção aos povos

O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem com vetos a lei que trata de medidas de proteção social para combater a disseminação do coronavírus em territórios indígenas e quilombolas. Bolsonaro vetou, por exemplo, a obrigação do poder público de fornecer água potável, distribuir materiais de higiene, leitos hospitalares e unidades de terapia intensiva a indígenas. Horas depois da divulgação dos vetos, porém, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o governo federal adote medidas contra o avanço da covid-19 nessas comunidades.

Ao vetar dispositivos da lei, a Presidência alegou que as propostas criam despesas obrigatórias sem apresentar o impacto orçamentário das medidas.

Bolsonaro ainda barrou o item que obrigava a União a liberar dotação orçamentária emergencial para priorizar a saúde indígena em razão da pandemia. Com isso, a União ficou dispensada da exigência de assumir as despesas do plano emergencial criado pela lei, e também desobrigada de transferir recursos para apoio financeiro à implementação do plano.

A lista de vetos ainda impede que a União assegure a distribuição de cestas básicas e sementes às famílias indígenas, quilombolas, e de pescadores artesanais. O texto sancionado tem origem em projeto de autoria do Congresso, aprovado em junho. Pelo texto, a coordenação do plano emergencial para proteger as comunidades deve ficar com a União, que trabalhará com Estados, municípios, instituições e os povos indígenas para a execução das medidas "com urgência e de forma gratuita e periódica".

Para Barroso, no entanto, o Executivo não está observando normas que garantem proteção às aldeias. Entre as iniciativas determinadas ontem pelo ministro, estão o planejamento de ações com a participação das comunidades, a apresentação de planos para contenção do vírus nas reservas e a criação de barreiras sanitárias para preservar indígenas isolados. "Há indícios de expansão acelerada do contágio da covid-19 entre seus membros e alegação de insuficiência das ações promovidas pela União para sua contenção", diz trecho da decisão de Barroso, tomada após partidos da oposição apresentarem ação contestando os vetos.

Reação. Entidades indígenas reagiram aos vetos. "Ficamos surpresos que pontos essenciais, como acesso à água, foram vetados, ou a garantia de higiene às comunidades, que é onde mais se percebe a vulnerabilidade dos povos indígenas", disse o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinaman Tuxá.

Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirmou que "os vetos reafirmam o preconceito, o ódio e a violência do governo em relação aos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais".

No Twitter, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, também criticou o governo. "O veto a medidas que buscam oferecer aos povos condições mínimas de lutar contra uma verdadeira dizimação não tem cabimento. A última palavra, que é do Congresso, deve ser de humanidade", escreveu. Segundo a Apib, mais de 12 mil casos de covid-19 já foram confirmados entre indígenas, com 445 mortes. Os óbitos foram registrados em 20 Estados.

Líder xavante em Mato Grosso, o cacique Domingos Mahoro, de 60 anos, se tornou mais uma vítima da covid-19 e teve a morte confirmada na segunda-feira. O avanço do coronavírus no Estado preocupa por causa da falta de acesso a produtos como álcool em gel e máscaras de proteção. Mais de 180 indígenas do povo xavante já foram contaminados e 21 mortes, registradas.

No mês passado, o estudante Cristian Wariu reuniu numa live moradores de aldeias xavantes de Mato Grosso para promover a campanha SOS Xavante, de arrecadação de recursos para comunidades atingidas pela pandemia.

“Insuficiência'

"Há indícios de expansão acelerada do contágio da covid-19 entre seus membros (comunidades indígenas) e alegação de insuficiência das ações promovidas pela União para sua contenção."

Luís Roberto Barroso

MINISTRO DO SUPREMO