Correio braziliense, n. 20949, 01/10/2020. Política, p. 2

 

Batalha ambiental

Ingrid Soares 

01/10/2020

 

 

Em resposta às críticas de que o governo brasileiro não tem compromisso com a preservação ambiental, o presidente Jair Bolsonaro rechaçou o que chamou de “cobiça internacional” em torno da Amazônia. Bolsonaro discursou no I Encontro de Cúpula das Organização das Nações Unidas (ONU) sobre biodiversidade, ocorrida ontem, em Nova York. Em vídeo pré-gravado, o chefe do Executivo afirmou que a região será defendida “de ações e narrativas que agridam os interesses nacionais”, referindo-se ao fato de o Brasil ser criticado pela comunidade internacional. Líderes mundiais, grandes investidores e organizações não governamentais (ONGs) mostraram preocupação com a postura do governo em relação à devastação da Amazônia e de outros biomas, como o Pantanal, e de adotar um discurso que estimularia as queimadas e a derrubada das matas nativas.

O discurso de Bolsonaro foi a resposta oficial sobre a questão ambiental no Brasil, que se tornou assunto em todo o planeta. Na noite de terça-feira, em debate com Donald Trump, o democrata Joe Biden, candidato à Presidência dos Estados Unidos, afirmou que pretende repassar US$ 20 bilhões ao Brasil para conter os incêndios na Amazônia e mencionou possíveis consequências econômicas em razão do desmatamento. (Leia mais na página 12). Ontem, foi a vez de o presidente da França, Emmanuel Macron, externar críticas ao Brasil. Ao defender, na mesma cúpula de biodiversidade, uma nova forma de consumo mundial, o chefe de Estado francês disse que “A UE (União Europeia) não assinou o acordo comercial com o Mercosul por ele ameaçar aumentar o desmatamento”. Ele ainda atacou o agronegócio brasileiro. “É a soja transgênica que nutre o desmatamento na Amazônia”, acusou Macron.

A gravação com o presidente Bolsonaro veio horas depois. “Não podemos aceitar que informações falsas e irresponsáveis sirvam de pretexto para a imposição de regras internacionais injustas, que desconsiderem as importantes conquistas ambientais que alcançamos em benefício do Brasil e do mundo”, reagiu o presidente na mensagem enviada às Nações Unidas.

Bolsonaro também afirmou que o setor agropecuário brasileiro obteve aumentos expressivos de produtividade e que o impacto no meio ambiente é “irrisório”. Nos pouco mais de cinco minutos de fala, cobrou dos demais países o cumprimento dos acordos firmados em favor da questão ambiental. “É preciso que todos os países cumpram com suas responsabilidades, arquem com a parte que lhes cabe e se unam contra males como a biopirataria, a sabotagem ambiental e o bioterrorismo. Meu governo mantém firme o compromisso com o desenvolvimento sustentável e com a gestão soberana dos recursos brasileiros”, disse o chefe do Executivo.

No momento em que o Brasil é altamente visado pela comunidade internacional por conta das queimadas na Amazônia e no Pantanal, Bolsonaro deixou claro que a prioridade da sua gestão é a exploração racional e sustentável dos recursos da região. Ele ressaltou que o governo brasileiro “mantém firme o compromisso com o desenvolvimento sustentável e com a gestão soberana dos recursos brasileiros”.

Segundo Bolsonaro, é necessário chegar a um ponto de equilíbrio em relação à sustentabilidade e ao desenvolvimento. “É preciso que cheguemos a um consenso e que saibamos combinar sustentabilidade com desenvolvimento, e preservação ambiental com inovação econômica. No Brasil, temos orgulho de pertencer ao grupo de países megadiversos, e de possuir a maior extensão de vegetação nativa do planeta, o que corresponde a 60% de nosso território nacional”, salientou.

Esse foi o segundo discurso de Bolsonaro na ONU no qual o meio ambiente foi o assunto principal. Na abertura da Assembleia-Geral, no último dia 22, o presidente afirmou que o Brasil é vítima de uma “brutal campanha de desinformação” sobre as queimadas ocorridas na Amazônia e no Pantanal.

Ataque às ONGs

Sem apresentar provas, Bolsonaro também afirmou durante a cúpula que organizações, em parceria com “algumas ONGs”, comandam “crimes ambientais” no Brasil e no exterior. Ele citou, ainda, medidas na região amazônica, como a Operação Verde Brasil 2, mas não divulgou dados. “Na Amazônia, lançamos a Operação Verde Brasil 2, que logrou reverter, até agora, a tendência de aumento da área desmatada observada nos anos anteriores. Vamos dar continuidade a esta operação para intensificar ainda mais o combate a esses problemas que favorecem as organizações, que, associadas a algumas ONGs, comandam os crimes ambientais no Brasil e no exterior”, disse. No Pantanal, enumerou o presidente, houve o fortalecimento da integração entre as agências governamentais, com o apoio das Forças Armadas, para atuar de maneira coordenada no combate aos focos de incêndio no bioma.

Frase

“É preciso que cheguemos a um consenso e que saibamos combinar sustentabilidade com desenvolvimento, e preservação ambiental com inovação econômica”

Jair Bolsonaro

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Greenpeace: governo tenta se esquivar 

01/10/2020

 

 

A reação ao discurso de Jair Bolsonaro na Cúpula da ONU sobre biodiversidade foi imediata.  A gestora ambiental e porta-voz da Campanha de Biodiversidade do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti, rebateu as declarações do presidente. “Bolsonaro mentiu, mais uma vez, ao dizer que seu governo está empenhado na proteção das nossas florestas e da nossa biodiversidade. O presidente preferiu se esquivar da responsabilidade que possui pela crise que enfrentamos, dizendo que as narrativas e os dados seriam falsos, que ONGs estariam comandando crimes ambientais e que o Brasil sofre de sabotagem externa”, acusou.

Segundo Mazzetti, “a Operação Verde Brasil 2, citada pelo presidente em seu discurso como exitosa, além de ser uma operação extremamente cara, mostrou-se ineficaz no combate ao crime. Pelo contrário, desde que foi colocada em ação, em maio, o desmatamento e as queimadas continuaram em alta”, destacou. “Com a 'gestão soberana' de Bolsonaro, seguimos rumo à extinção da biodiversidade e exaustão dos recursos naturais”, observou a representante do Greepeace.

Carlos Rittl, ambientalista brasileiro, reforça que em participações em fóruns internacionais, Bolsonaro tem exaltado o discurso negacionista. “O presidente disse que o governo vem adotando políticas de proteção ao meio ambiente, quando, de fato, desmantelou a governança ambiental do país, engavetou planos de combate ao desmatamento, extinguiu órgãos e apresentou várias propostas contrárias à proteção ambiental, como a de legalização da grilagem, a revogação de normas de proteção de manguezais e restingas e a de liberação do garimpo em terras indígenas”, frisou.