Correio braziliense, n. 20949, 01/10/2020. Política, p. 5

 

Surpresa na corrida ao Supremo

Renato Souza

Sarah Teófilo 

01/10/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou, para interlocutores e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que indicará o desembargador Kássio Nunes, membro da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF-1), para ocupar a vaga do ministro Celso de Mello. O nome do magistrado representa uma surpresa, considerando que o ministro da Justiça. André Mendonça, era o favorito, até então. Apesar da informação inesperada, a possível indicação do magistrado encontrou boa receptividade entre a maioria dos integrantes do plenário do Supremo.

Em conversa com o Correio, magistrados demonstraram apoio a Kássio Nunes para a mais alta Corte de Justiça do país. “Ele não é juiz de carreira do TRF-1, mas é bem-vindo. Parece-me ser um ótimo magistrado, com larga experiência, produtividade e que conduz bem suas atribuições”, afirmou um dos entrevistados. “Não conhecia esse colega do direito, mas pelo que fui informado, até agora, tenho boas referências”, destacou outro integrante do plenário. Celso de Mello deixa o cargo no dia 13 deste mês, pois completa 75 anos de idade em novembro — idade limite para ficar no cargo.

O piauiense Kássio Nunes tem 48 anos. Advogou por mais de uma década, é professor de direito e acumula extensa atividade no meio acadêmico. Em entrevista publicada, em 2018, no site Conjur, ele disse ser favorável à prisão a partir de condenação em segunda instância, mas considerou que a decisão judicial depende das circunstâncias concretas. Nunes já defendeu, no passado, que o Poder Judiciário atue para limitar ações do Executivo que representem ilegalidades ou coloquem em risco direitos e serviços públicos.

Decisões

O magistrado é conhecido por tomar decisões em prol do meio ambiente, e da fiscalização contra desmatamentos, e por defender o uso da inteligência artificial para dar celeridade às decisões judiciais e desafogar os tribunais. Nunes também é um defensor das carreiras da magistratura — frequentemente fala da necessidade de aumentar o número de servidores e magistrados nos tribunais que estão com excesso de processos.

Algumas decisões marcaram sua carreira no TRF. Uma delas é de 2018, quando o desembargador suspendeu uma liminar que impedia a entrada de imigrantes venezuelanos no Brasil. Ao decidir sobre o assunto, ele citou uma decisão da ministra do STF Rosa Weber de que “não se justifica, em razão das dificuldades que o acolhimento de refugiados naturalmente traz, fechar os olhos e cruzar os braços”.

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Indicação costurada pelo centrão

01/10/2020

 

 

A indicação do desembargador Kássio Nunes foi costurada pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), do Centrão, que apresentou o magistrado ao presidente Jair Bolsonaro. O chefe do Executivo, que teve uma conversa com Nunes, gostou de propostas apresentadas, do currículo do indicado e de algumas ideias em comum, como a necessidade de que Executivo e Judiciário atuem em conjunto para fazer avançar pautas econômicas e reajustes na legislação tributária e administrativa. 

O ministro Gilmar Mendes também participou da chancela ao novo nome, sendo consultado por Bolsonaro, assim como o ministro Dias Toffoli, que recentemente deixou a Presidência da Corte. O favoritismo do magistrado na corrida ao Supremo pegou boa parte do governo de surpresa. Pesou na escolha seu bom trânsito, tanto no Congresso quanto no Judiciário.

Pelas redes sociais, Ciro Nogueira comemorou o fato de um conterrâneo estar na rota do Supremo. “Todo o povo do nosso estado ficará honrado com a escolha de um piauiense para o STF”, escreveu. O presidente do Progressistas afirmou que a alçada ao Tribunal seria uma forma de valorizar não só o povo do Nordeste, mas, especialmente, a população do Piauí. “Não seria, nunca, uma conquista pessoal, por maiores que sejam as qualificações do indicado. Seria um reconhecimento ao povo do Nordeste e, especialmente, ao talento e à capacidade de todos os piauienses. Por isso estou, também, na torcida”, completou.

A possível indicação do magistrado é um gesto de Bolsonaro ao Nordeste, região da qual o presidente busca se aproximar, já de olho nas eleições de 2022. Bolsonaro já havia dito que queria um ministro com idade de até 50 anos — Nunes tem 48 —, e com bom relacionamento no Judiciário e no Congresso. O mandato de ministro do STF dura até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos. O presidente estava atrás de um nome de confiança, que contemplasse seus interesses e ficasse por muito tempo na Corte.

Cotados

Antes do nome de Kássio Nunes começar a circular, os mais cotados para assumir o lugar de Celso de Mello eram os ministros André Mendonça (Justiça e Segurança Pública), Jorge de Oliveira (Secretaria Geral da Presidência) e o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha. Jorge tem uma ótima relação com o presidente, é amigo da família e seu pai já trabalhou no gabinete de Bolsonaro à época em que ele era deputado federal.

O desembargador Kássio Nunes está no TRF-1 ocupando uma das vagas do chamado quinto constitucional. Ele foi indicado por Dilma Rousseff ao tribunal de segunda instância e ocupa uma das vagas destinadas à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Se for de fato indicado, ele passará por sabatina no Senado. Informalmente, os senadores já falam com ministros do Supremo para entender o clima na Corte de Justiça com a possível indicação. (RS e ST)