Título: Impasse após as urnas
Autor: Tranches , Renata
Fonte: Correio Braziliense, 26/02/2013, Mundo, p. 15

Antecipadas na tentativa de trazer estabilidade política, as eleições gerais na Itália não apontaram um vencedor claro e os italianos acordam hoje com um quebra-cabeças para montar. Em uma disputa voto a voto, a coalizão de centro-esquerda liderada pelo ex-comunista Pier Luigi Bersani arrancou uma vitória por vantagem mínima na disputa pela Câmara dos Deputados. Às 22h50 de ontem (hora de Brasília), restando apenas quatro das 61.446 mesas eleitorais para serem apuradas, a aliança de Bersani havia obtido 29,54% dos votos contra 29,18% para o bloco de centro-direita do ex-premiê Silvio Berlusconi. Uma diferença suficiente para garantir a maioria das cadeiras, segundo a legislação. No Senado, porém, a balança pendia a favor da coalizão do ex-primeiro-ministro. Para complicar a formação do novo gabinete, as urnas confirmaram o surpreendente resultado do Movimento Cinco Estrelas, legenda de protesto criada pelo ex-comediante Beppe Grillo — que desembarca no parlamento com uma bancada comparável à dos dois grandes blocos.

"Vencemos na Câmara e, pelo número de votos, também no Senado", disse Bersani já por volta da meia-noite (20h no Brasil). O líder do Partido Democrático (PD) reconheceu como "evidente para todos que se abre uma situação delicadíssima para o país", e comprometeu-se a "agir com responsabilidade, no interesse da Itália". Horas antes, o vice-presidente da legenda, Enrico Letta, diagnosticara a crise de governabilidade e acenara com a ideia de os italianos voltarem às urnas. "Do jeito como estão as coisas, logo se fará uma nova lei eleitoral e se voltará a votar", disse Letta a sangue quente, para em seguida ponderar: "Mas a hipótese de uma eleição antecipada também não seria a solução".

No campo oposto, o clima era de euforia por mais uma ressurreição política do Cavaliere, como é conhecido Berlusconi. "O resultado que se perfila para a centro-direita se deve única e exclusivamente ao Cavaliere, artífice de mais uma empreitada memorável", festejava o dirigente Sandro Bondi. Desacreditado nas pesquisas desde que deixou o poder, no fim de 2011, ele reconduziu seu partido, o Povo da Liberdade (PDL), ao centro do impasse político. "Aqueles que davam a conta por liquidada terão de mudar de ideia", tripudiou o secretário nacional da legenda, Angelino Alfano.

Negociações

Nesse cenário, como explicou o professor de Relações Internacionais Giorgio Romano Schutte, membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP (Gacint), o PD deve ser convidado pelo presidente Giorgio Napolitano a formar um governo. Para isso, não estava descartada nem mesmo a possibilidade de um acordo com a centro-direita. Tal aliança, na avaliação de Schutte, seria até mais provável do que uma coalizão com o Movimento Cinco Estrelas.

Outro possível aliado, o premiê demissionário Mario Monti, teve seu poder de barganha minado pelo baixo desempenho nas urnas — com cerca de 10% dos votos, o tecnocrata que conseguiu implantar as medidas de austeridade exigidas pelas crise fracassou na tentativa de sair das urnas como líder político. Seja qual for o desfecho das negociações, a expectativa dos analistas é de que se forma um governo frágil, suscetível a fracassar diante de desafios como o desemprego de 11% — 36% entre os jovens. "(O futuro da Itália) será ou um governo fraco ou novas eleições", aposta Schutte. Agrava o quadro o sentido de urgência que ganhou a eleição, diante de um cenário de dificuldade econômica no país com um desemprego na casa dos 11%, entre os quais, 36% de jovens.

Correndo por fora das disputas entre esquerda e direita, o ex-comediante Beppe Grillo e seus apoiadores comemoraram a estreia eleitoral desde as pesquisas de boca de urna. "Entramos no parlamento!", proclamou Grillo, para em seguida prometer que seu partido honrará todos os compromissos de campanha. "Seremos uma força extraordinária. Faremos o que foi prometido: estabelecer um salário de cidadania (mínimo) e não esquecer ninguém", afirmou. Com 25% dos votos na Câmara e 24% no Senado, o Movimento Cinco Estrelas consolidou-se como a nova força política no país pelo voto de protesto, que ajuda a explicar a participação de mais de 75% dos eleitores, num país onde o voto não é obrigatório.