Título: Após falhas, GDF retoma concessão
Autor: Campos , Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 26/02/2013, Cidades, p. 19

Os motivos e as consequências que virão a partir da decisão de intervenção nas empresas Viva Brasília, Rápido Veneza e Rápido Brasília não são um consenso entre especialistas em transporte do Distrito Federal e de outras unidades da Federação. Apesar de boa parte dos pesquisadores ouvidos pelo Correio acreditarem que a medida adotada pelo GDF foi correta, muitos consideram que a necessidade de recorrer a tal recurso expõe as dificuldades de controlar as empresas permissionárias e de cobrar delas metas de qualidade.

Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Flávio Dias, especialista no assunto, a decisão demonstrou coragem por parte das autoridades. Isso porque o Grupo Amaral, dono das empresas, pode, posteriormente, entrar na Justiça contra o governo se entender, por exemplo, que, durante a intervenção, sofreu prejuízos financeiros. Risco à parte, Dias concorda com a posição do GDF. "A população e o Estado não podem ficar à mercê de quem não cumpre as exigências", afirma. A expectativa do especialista é de que a intervenção reorganize o sistema. E antes do início da operação das empresas que vencerem as licitações para operar na capital dividida por bacias e não mais por frota e linhas.

Em contrapartida, para o também especialista em transporte da UnB Davi Duarte, assumir o comando da empresa provavelmente não trará soluções aos problemas intrínsecos ao transporte público da capital. Ele acredita que o recurso precisou ser usado porque os órgãos responsáveis por garantir a qualidade no serviço apresentaram falhas. "Falta inteligência à gestão do transporte no DF. O papel do governo é estabelecer parâmetros e exigir o seu cumprimento. Há informações disponíveis para isso. Hoje, não há controle de absolutamente nada. Sinceramente, não vejo como o governo vai melhorar a empresa", questiona Duarte.

Pesquisadores em políticas públicas de transporte e em mobilidade urbana de fora do Distrito Federal acreditam que a intervenção tem um caráter positivo, mas fazem alertas quanto à importância de a ação ser breve. "A intervenção é um sinal de que há fiscalização. Mas a lógica técnica do sistema de transporte indica que o governo tem o papel de regulamentação e de cobrança, não de operação", adverte o doutor em engenharia de transporte pela Universidade de São Paulo (USP) José Leles de Souza.

Cláudio Barbieri, professor do Departamento de Engenharia de Trânsito da USP, defende a intervenção do governo no transporte público como última alternativa. "Se ela foi feita, é porque a situação estava muito grave e exigia uma medida drástica. Mas não pode ser uma solução definitiva, fazendo com que o poder público, que não tem competência para operar empresas de ônibus, assuma esse ônus", avalia.

Reclamações O sistema público de ônibus do DF é responsável pela locomoção de mais de 1 milhão de pessoas por dia (veja ilustração). O cotidiano de tantos passageiros depende de 14 empresas e sete cooperativas. Mas a intervenção do governo na operação de três integrantes do Grupo Amaral mostra como o serviço oferecido aos usuários deixa a desejar. As reclamações de quem depende dos coletivos são as mesmas há anos: superlotação, veículos velhos e inseguros e descumprimento de horário.

Tanta insatisfação resultou em inúmeras multas. Só na Justiça, o governo cobra dos permissionários cerca de R$ 5 milhões em autuações. Além disso, um fator pesa contra as autoridades. Há anos, os contratos com as empresas rodoviárias estão vencidos. Portanto, muitas operadoras acabam multadas, mas, na ausência de um vínculo formal legal que as obrigue a cumprir as regras, impera a inadimplência.

O Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans) contabiliza 2,9 mil ônibus para atender os usuários, mas não informou quantos veículos, de fato, estão em circulação. A média de idade da frota é de oito anos, número um ano acima do recomendado pela Secretaria de Transportes do DF. Com veículos antigos nas ruas, não é raro o passageiro ficar desamparado ou se sentir inseguro. "Na semana passada, o ônibus em que eu estava pegou fogo. Estava lotado, mas, por sorte, conseguimos descer", relatou o pedreiro Pedro Gilvan Alves dos Anjos, 36, morador de Planaltina.