Título: DF, rota do tráfico animal
Autor: Vasconcelos, Bárbara
Fonte: Correio Braziliense, 25/02/2013, Cidades, p. 18

Protegidos pela legislação brasileira, os animais silvestres têm sido vítimas de crimes ambientais recorrentes no Distrito Federal. Apenas em 2012, 2.143 bichos foram apreendidos em situação irregular nas regiões administrativas do DF, segundo levantamento do Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) elaborado a pedido do Correio. O órgão estima ainda que, no ano passado, cerca de 500 pessoas tenham sido conduzidas a delegacias em Brasília por delitos contra diferentes espécies da fauna brasileira, especialmente comercialização e criação sem licença.

A estimativa da polícia é de que, em 2011, outras 200 pessoas tenham sido autuadas por crimes contra os animais silvestres no Distrito Federal. Naquele ano, os militares recolheram 3.096 aves, mamíferos, répteis e invertebrados em situação irregular na região. Apreensões fruto de várias denúncias dos moradores — o batalhão recebe, por dia, de seis a oito chamadas relativas a venda, maus-tratos ou posse ilegal de bichos.

O grande número de flagrantes leva a polícia a crer que existam quadrilhas especializadas agindo na capital federal. “Há um lucro ilegal com a comercialização de animais silvestres no DF, e o fluxo de apreensão de animais dá certeza à polícia ambiental dessa existência”, avalia o comandante em exercício do BPMA, capitão José Gabriel de Souza Junior.

Por estar fincado no centro do país, o Distrito Federal é também rota de tráfico interno e mesmo internacional, como explica o servidor do Centro de Triagem de Animais Silvestres do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Cetas/Ibama) João Bosco Teixeira. “Brasília é, historicamente, uma rota de animais que vêm do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste e, daqui, são escoados para as regiões Sul e Sudeste e até para fora do país”, comenta o biólogo.

Maiores vítimas No levantamento da polícia ambiental, destaca-se a enorme quantidade de pássaros recolhidos ao longo do ano passado. Foram 1.321 aves apreendidas apenas em 2012, montante que aponta esses animais como os alvos preferenciais dos criminosos. Canários (156), corujas (121) e papagaios (114) lideram a lista de pássaros mantidos irregularmente no DF. Além dos voadores, gambás (407) e cobras (233) abastecem esse mercado de maneira significativa.

As apreensões, no ano passado, alimentaram as estatísticas até o último dia de 2012: 19 aves silvestres foram encontradas com dois moradores do Recanto das Emas na virada do ano. A suspeita é de que elas seriam comercializadas em feiras populares do DF, como a Feira do Rolo, em Ceilândia. Os homens chegaram a ser presos, mas apenas assinaram termos circunstanciados e poderão agora responder pelo crime em liberdade.

Os animais, que estavam armazenados de maneira irregular e tinham sinais de maus-tratos, foram conduzidos para o Cetas, localizado no Parque Nacional de Brasília. É para lá que todos os bichos recolhidos pela polícia, pelo Corpo de Bombeiros e pelo Ibama são encaminhados após constatada alguma irregularidade.

Muitos bichos chegam ao centro com indícios de violência. “Recebemos aqui muitos filhotes de pássaros com as asas cortadas. A pessoa apara as penas para o animal não voar mais e aí a ave entra em um estado de estresse muito grande”, comenta João Bosco. “Também é comum vermos aqui animais extremamente dóceis, que não vão mais conseguir se adaptar na natureza”, emenda.

Por isso, quando chegam ao Cetas, os bichos recolhidos passam por uma avaliação e, caso necessitem de cirurgias ou algum procedimento mais elaborado, são conduzidos ao Hospital Universitário de Brasília (HUB) ou para o zoológico. Depois, eles retornam à instituição e, então, podem ser entregues a criadores cadastrados no Ibama ou libertados na natureza. Atualmente, cerca de 100 animais silvestres ocupam os espaços do Centro de Triagem, sendo a maioria pássaros.

Legislação A lei brasileira prevê uma série de penas para as diversas agressões à fauna e à flora nacional, como a venda ilegal de animais e a prática de maus-tratos. Mas o delegado-chefe da Delegacia Especial do Meio Ambiente (Dema), Ivan Dantas, critica a maneira como a legislação pune determinados crimes e acredita que ainda são necessários alguns avanços. “A lei não diferencia, por exemplo, o fato de manter o animal em casa ou em depósito e a ação de comercializar esses bichos. É uma falha, infelizmente”, comenta. “O comércio deveria ser considerado um crime qualificado, com pena maior.”

De acordo com o artigo 29 da Lei n° 9.605, o acusado de matar, vender ou manter em cativeiro espécimes da fauna silvestre pode pegar de seis meses a um ano de detenção e multa (ver O que diz a lei). Para escapar dessa punição, Dantas recomenda que quem tiver um animal silvestre em situação irregular faça a devolução imediata para o Ibama. “Muita gente acredita que é possível regularizar a situação de bichos criados sem autorização. Não é. Por isso, a polícia orienta a população a entregar espontaneamente esses bichos na Floresta Nacional do Ibama, para não responder criminalmente”, aconselha.

"Brasília é, historicamente, uma rota de animais que vêm do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste e, daqui, são escoados para as regiões Sul e Sudeste e até para fora do país” João Teixeira, biólogo, com um filhote de tucano apreendido, com as penas cortadas, pela polícia ambiental

Memória Várias apreensões de animais silvestres chamaram a atenção dos brasilienses ao longo de 2012. Apenas em uma operação da Delegacia Especial do Meio Ambiente feita em maio do ano passado, os agentes recolheram quase 100 pássaros em Ceilândia. Além de responder por crime ambiental pelo fato de manter os bichos em cativeiro, o dono da casa onde as aves estavam alojadas também acabou indiciado por maus-tratos. Três meses depois, a Polícia Militar Ambiental apreendeu 16 aves silvestres criadas sem autorização em três residências do Paranoá e uma de Taguatinga Norte. Já na Estrutural, em novembro, os militares encontraram um jabuti, dois micos saguis e três pássaros, também mantidos sem licença.

O que diz a lei Criada em 1998, a Lei n° 9.605 dispõe sobre os crimes relacionados ao meio ambiente e prevê multa e detenção para quem atentar contra a fauna e a flora do país. A pena inicial para quem perseguir, caçar ou mesmo guardar animais silvestres sem licença do Ibama é de seis meses a um ano, mas a punição pode ser até triplicada se o crime decorrer, por exemplo, de caça profissional. Exportar para o exterior peles e couros sem autorização também leva a pena de até três anos, assim como provocar a morte de espécies aquáticas por poluição das águas.