Título: Revolução no horizonte
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 24/02/2013, Economia, p. 10

Reconhecidamente a face mais competitiva do Brasil no mundo, a agropecuária também concentra, a médio prazo, os negócios mais promissores, como a bioenergia. Nunca a conjuntura pareceu tão favorável à agricultura e à pecuária no país. Com expressivo capital tecnológico nacional, estoques externos de diversos produtos em queda e tropeços de competidores diretos, como a Argentina e a Austrália, os produtores continuam a marcha sobre novas áreas e em busca de índices ainda maiores de produtividade, no caminho inverso da indústria.

Apesar dessas conquistas e do mercado a favor, especialistas ouvidos pelo Correio fazem questão de listar velhas e persistentes fragilidades, como uma infraestrutura limitada e a ausência de políticas para evitar quedas expressivas de cotações. Além disso, eles alertam para a necessidade de continuar a batalha contra o protecionismo agrícola, sobretudo o europeu. O maior consenso, contudo, está no crescente papel da China como definidor das futuras tendências.

Thiago Masson, coordenador da área internacional da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), explica que o ano passado foi atípico para as exportações agrícolas, exibindo melhora dos números apesar de danos climáticos mundo afora, inclusive em regiões do Brasil. O saldo comercial do setor cresceu 3% sobre 2011, atingindo US$ 79,4 bilhões, sendo US$ 95,8 bilhões em vendas e US$ 16,4 bilhões de importações. "O resultado foi positivo caso se considere que a economia mundial mostra lenta recuperação, sobretudo a União Europeia (UE), principal destino das exportações do país", observa.

No geral, os valores do comércio exterior do setor tiveram alta média de 5% em 2012, puxados pela demanda global, com mercados importantes como UE, Japão e Estados Unidos perdendo participação relativa. O bloco europeu, que respondia por 36% do consumo em todo o mundo há 10 anos, estacionou em 23,4%. Sua lacuna foi preenchida por consumidores não tradicionais, cuja participação cresceu 1.024% no período.

"Essas mudanças comerciais se devem, cada vez mais, a fenômenos econômicos como a sustentação dos preços do petróleo, a expansão da urbanização, a prosperidade das novas classes médias e os novos hábitos de consumo, com a ampliação da dieta e a introdução de alimentos mais ocidentalizados, como carnes e café", avalia Masson. Como bloco, a UE ainda é o maior destino para os produtos do agronegócio brasileiro, mas as perspectivas preveem que a China passará o bloco em breve. A Ásia tem 34% do consumo mundial de alimentos, metade do percentual vindo dos chineses. Em seguida, vêm a África (9%) e os Estados Unidos (7%).

Barreiras

Para Masson, o governo brasileiro não pode se descuidar do combate às barreiras tarifárias e não tarifárias, que inibem as exportações brasileiras de alimentos. A insistência do Brasil de aprovar a rodada de Doha — um esforço de abertura global, coordenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), marcado por seguidos fracassos — levou à perda de chances de investir em acordos bilaterais. "O Chile e a Colômbia apostaram na pluralidade e ganharam mercado", ilustra o economista.

Na avaliação de analistas, a agregação de valor pode ser a forma mais rápida e eficaz de elevar os ganhos das vendas externas de alimentos. Para isso, o país precisa dobrar o poder de barganha de seus grandes importadores, especialmente os chineses. O ponto mais sensível está na soja. Dos 49 milhões de toneladas que o Brasil vendeu, no ano passado, para China, 32,6 milhões eram na forma de grãos —apenas 14,8 milhões foram em farelo e 1,7 milhões, em óleo.

Estudo do Banco Mundial (Bird) mostra que, se as barreiras internas à exportação de alimentos representadas pela infraestrutura e pela burocracia fossem tiradas, o desempenho internacional do agronegócio brasileiro teria melhora de 4,7%. Os entraves externos, por sua vez, represam 0,7% desse crescimento. Entretanto, o Bird revela que, em 10 anos, o custo do frete rodoviário de cargas no Brasil disparou 203%, bem mais que os concorrentes EUA (53%) e Argentina (42%) no período.

José Garcia Gasques, coordenador-geral de Planejamento Estratégico do Ministério da Agricultura, lembra que o mercado reage proporcionalmente à demanda e às cotações. "Uma vantagem adicional ao Brasil é ter a facilidade de se abastecer regionalmente de artigos básicos, como feijão, arroz e trigo. Além disso, o nível do consumo desses alimentos tem se mantido estável nos últimos anos em razão de mudanças de hábitos", acrescenta.

A grosso modo, a receita apurada pelo complexo agropecuário nacional é dividido em 40% das carnes e 60% da lavoura. Historicamente, essa proporção era inversa. Ele considera possível o Brasil saltar do patamar de 180 milhões de toneladas de grãos para 280 milhões em 10 anos. "Não temos problemas graves de financiamento e avançamos em novas regiões produtoras", lembra Gasques.