Título: Âncora agrícola
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 24/02/2013, Economia, p. 10

O Brasil vai colher neste ano a maior safra de sua história: 185 milhões de toneladas de grãos. O volume recorde reforça a expectativa de que o país alcance, até a próxima década, o posto de maior fornecedor de alimentos do planeta, desbancando os Estados Unidos. Pelo menos em soja, essa virada está garantida já em 2013, com uma pequena diferença nas mais de 82 milhões de toneladas colhidas em cada lado. A arrancada no campo, acompanhada do papel de destaque nos negócios da carne, não confirma só uma vocação brasileira para ser celeiro do mundo, revelada nos anos 1970 com a abertura da fronteira dos cerrados. Dá a exata dimensão da âncora estabilizadora da economia nacional.

"Nosso agronegócio cresce de forma interessante. Apesar de ser puxado pelos altos preços dos grãos, continua se diversificando, em vez de se especializar nos produtos mais rentáveis", diz José Garcia Gasgues, coordenador-geral de planejamento estratégico do Ministério da Agricultura (Mapa). Uma prova disso é que o Brasil lidera o comércio mundial de cinco dos 10 principais itens agropecuários — café, açúcar, suco de laranja, soja e carne de frango, além de deter o maior rebanho bovino do planeta, com 213 milhões de cabeças.

O país se tornou uma terra de oportunidades por ter a maior área agricultável do mundo (240 milhões de hectares) e melhores índices de produtividade, dentro de um contexto favorável de estoques mundiais de alimentos em queda e consumo crescendo a passos largos, puxado pelas classes médias de países emergentes, sobretudo os asiáticos. Para completar, 80 milhões de hectares podem ser acrescentados à produção sem derrubar uma árvore sequer. São áreas degradadas, em geral pastos, onde começa a prosperar a experiência da integração lavoura-pecuária-floresta. Com pouco investimento, a chamada agricultura de baixo carbono pode representar uma revolução dentro da revolução, com novos recordes de produtividade. Graças a todos esses fatores, quem vive no campo não sabe dizer o que é crise.

Em quatro décadas, novas áreas se somaram ao desenvolvimento de uma tecnologia própria para o cultivo tropical, o que vem garantindo ganhos contínuos de produtividade. Nesta série de reportagens iniciada hoje, o Correio traça um panorama da força do campo, ilustrado por seis cidades líderes no ramo agrícola. Nos municípios goianos de Rio Verde, Chapadão do Céu, Jataí e Ipameri, e dos matogrossenses Nova Mutum e Lucas do Rio Verde, surge um Brasil de oportunidades, com plantações de soja e milho a perder de vista.

Gargalos

O impacto positivo da produção rural sobre o desempenho econômico geral tem se evidenciado, sobretudo quando a indústria perde terreno e o Produto Interno Bruto (PIB). Isso acontece apesar de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atribuir à agropecuária um peso de apenas 5,5% no cálculo das riquezas do país. O Valor Bruto da Produção (VBP) do setor agropecuário, estimado pelo Mapa para 2013, é de R$ 450,3 bilhões, um crescimento de 18,2% sobre o ano passado (R$ 380,8 bilhões). Só na lavoura, o avanço será de 16,3%, saltando de R$ 243,9 bilhões para R$ 283,5 bilhões, puxado novamente pela soja, carro-chefe do agronegócio brasileiro há 11 anos com faturamento de R$ 89,3 bilhões, 30,8% a mais que em 2012. A cana-de-açúcar vem em seguida, com R$ 46,51 bilhões (+7,5%).

As inovações do campo brasileiro são aplaudidas internacionalmente e consideradas referência, especialmente para regiões tropicais, como a África e a América Central. Estudo sobre produtividade agrícola em 156 países, publicado pelo Departamento da Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), mostra que, na primeira década deste século, o país avançou 4%, mais do que o dobro da média mundial, de 1,84%. E fez isso preservando 61% do território com cobertura vegetal nativa e usando menos de um terço (27,7%) da área total para produzir alimentos.

"Esses bons números têm se sustentado pelos preços ainda elevados de soja e milho no mercado internacional. Mas precisamos de uma estratégia para não perder a oportunidade que novas vantagens nos dão e responder à missão de aumentar a produção nos próximos anos para alimentar o mundo", ressalta Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura. Para ele, o Brasil fez pouco nos últimos anos para sanar velhos gargalos, como os de infraestrutura, o que pode ficar evidente caso as cotações agrícolas caiam.

Nova fronteira Boa parte do atual sucesso do agronegócio e das apostas de novos saltos está no Matopiba, região que agrega parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e é apontada como potência agrícola. Lá e em Goiás, o pasto vem dando espaço ao plantio de soja, pelo arrendamento de áreas ou pela compra de terras, que estão triplicando de valor. "Para dobrar a produção de grãos nos próximos 10 anos, precisamos apenas que o governo faça a parte dele, investindo parte da riqueza que geramos em infraestrutura. Isso viabilizará o crescimento sustentável das novas regiões", diz Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja Brasil).