Correio braziliense, n. 20953, 05/10/2020. Cidades, p. 16

 

Não prestar atendimento emergencial é crime!

Jonathan Luiz 

05/10/2020

 

 

Nas situações em que o paciente precisa de atendimento emergencial, o seu único pensamento é receber tratamento o mais rápido possível, mesmo que a alternativa mais imediata seja procurar um hospital particular. Dessa forma, a unidade privada precisa ter consciência de sua obrigatoriedade na prestação de serviço e levar em consideração que omissão de atendimento pode configurar crime devidamente descrito no Código Penal.

“Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública. Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa”, aponta o artigo 135 do Código Penal.

O advogado e mestre em direitos sociais Welder Rodrigues reforça o artigo. “Se o atendimento for de emergência, com risco iminente de vida, a exemplo de vítimas de acidentes de trânsito em estado grave, o hospital deverá prestar o atendimento, sob pena de cometer o crime de omissão de socorros, previsto no Código Penal”, explica.

Em relação aos valores, os pacientes precisam ficar atentos a possíveis abusos na cobrança dos serviços. “No caso da cobrança antecipada de procedimentos cirúrgicos em hospital particular, haverá abuso de direito sempre que a conduta do hospital exceder o exercício legal de um direito e causar danos ao paciente, ainda que danos morais. Ao exigir pagamento antecipado sem a certeza do exato valor da prestação dos serviços, valendo-se de preço estimado e negando atendimento minimamente humano ao paciente antes que o pagamento seja realizado, é claro exemplo de abuso de direito, valendo-se da situação de hipossuficiência do paciente e condição vulnerável, ferindo os princípios do Código de Defesa do Consumidor e da boa fé objetiva presente no Código Civil”, esclarece Welder.

Constrangimento

A turismóloga Marilene Pires, 52, passou por situação constrangedora em um hospital particular de Brasília. O marido dela, Euclides de Sousa, 65, quebrou a bacia e precisou fazer uma cirurgia de emergência, mas os valores cobrados pela unidade não estavam claros.

“Pagamos adiantado a cirurgia, mas comecei a questionar o que estava incluído no valor, e nesse momento começou a falta de informação do hospital. Primeiro, disseram que o valor que pagamos cobriria o que fosse necessário. Perguntei quanto custava uma diária, mas disseram que não trabalhavam com valor de diária, que de acordo com o tempo que meu marido ficasse no hospital precisaríamos pagar a diferença do já acordado ou devolveriam o dinheiro. Mas eu queria saber a base do cálculo para devolver este dinheiro, uma vez que não tem valor de diária, não sabe o que vai ser gasto”, aponta.

Marilene tentou se precaver de possíveis problemas. “O que mais me chateou foi essa questão de a gente não ter o esclarecimento na hora que vai pagar a internação, o que está incluso naqueles valores que eles cobram”, finaliza. 

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) aborda esse assunto no artigo 31. “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”, aponta no documento.

A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) informou que esse tema deve ser tratado diretamente com o hospital que prestou o serviço. A Anahp não interfere na política comercial de seus associados.

Welder diz que não é lícito exigir pagamento antecipado de valores que não se sabe com antecedência, mas “se for possível a aferição dos valores no momento da contratação (como exemplo a diária do quarto), poderá ser cobrado de forma antecipada por acordo entre as partes. Mas, exigir valores estimados (incluindo procedimentos que não se tem certeza de que o paciente de fato irá utilizar) constitui-se conduta abusiva”, frisa.

Precauções

Mesmo tendo cuidado com os serviços contratados, como Marilene teve, problemas podem surgir. Em situações que o paciente se sinta lesado, Welder orienta: “No caso de a pessoa sofrer danos de ordem moral pelo hospital, como exigência de pagamento prévio por procedimentos que não se sabe, no momento da contratação, o valor exato que restará ao final do atendimento, carência de informações no contrato, cláusulas abusivas ou recusa de socorro, poderá o paciente registrar ocorrência na delegacia de polícia civil por omissão de socorros e, ainda, poderá ajuizar ação cível pleiteando o pagamento de indenização por danos morais, se houver”.

O especialista dá dicas para o paciente resguardar-se de possíveis condutas abusivas dos hospitais. “Como, na maioria dos casos, o paciente encontra-se em posição vulnerável, em razão do enfrentamento de problemas de saúde, dificilmente conseguirá desvencilhar-se de eventuais abusos. Desse modo, deverá manter consigo todo tipo de prova que puder, contrato, recibos, gravação de áudio, por exemplo. Assim, poderá apresentar uma denúncia, ajuizar ação judicial e apresentar essas provas”, afirma. 

 * Estagiário sob a supervisão de Adson Boaventura