Título: Pressão para abolir o privilégio durou 344 dias
Autor: Valadares, João ; Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 28/02/2013, Política, p. 2

Desde que o projeto que extinguiu as regalias entrou na pauta do Legislativo, foi quase um ano de debates e pressão popular

Exatos 344 dias separam a primeira apreciação do projeto de lei que acaba com os 14º e 15º salários dos parlamentares — na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado — da aprovação final, arrematada ontem na Câmara dos Deputados. O fim da regalia é fruto da pressão popular, depois das denúncias do Correio. Com a repercussão, a proposta que extingue os dois salários extras, apresentada pela então senadora Gleisi Hoffman (PT) no início de 2011 e, desde então, engavetada, entrou na pauta do Congresso Nacional de forma definitiva. Muitos parlamentares já haviam se antecipado à votação, abrindo mão do privilégio, em vigor desde 1948.

Na Câmara, 31 deputados abdicaram dos 13º e 14° salários, segundo a assessoria de imprensa da Casa. No Senado, embora a proposta tenha sido aprovada no primeiro semestre do ano passado — por unanimidade —, só 12 parlamentares pediram formalmente para não receber a regalia, que é paga no início e no fim de cada ano. É que, para valer nas duas Casas, o projeto também precisava passar pela Câmara. Por isso, 69 senadores ainda aproveitaram o salário extra, que entrou na conta dos parlamentares este mês.

As discussões sobre a regalia sempre foram acaloradas no Congresso. Durante a tramitação, o senador Ivo Cassol (PP-RO) chegou a dizer que o salário de aproximadamente R$ 27 mil era “muito pouco”. O senador Cyro Miranda (PSDB-GO) declarou que tinha pena de quem “era obrigado a viver com uma remuneração líquida de R$ 19 mil por mês”. Em tom de alívio, ressaltou que não dependia do salário do Senado para sobreviver. Mesmo assim, constou da lista dos senadores que não abriram mão da regalia.

Deputados comentaram ontem, durante a votação, que o projeto só saiu da gaveta pelo temor dos parlamentares diante da opinião pública. O deputado Reguffe (PDT-DF), que abriu mão dos extras quando assumiu o mandato, salientou, em discurso, o papel da imprensa. “Quero parabenizar o jornal Correio Braziliense, um jornal aqui do Distrito Federal, que está travando uma cruzada importante para moralizar a vida pública deste país, que é a luta pelo fim dos 14º e 15º salários”, destacou. O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) também fez registro semelhante. “Parabenizo o Correio, um jornal da nossa cidade, por ter levantado e discutido essa bandeira”.

Depois das reportagens que revelaram mais esse exemplo de mal uso do dinheiro público, muitos estados e municípios extinguiram o benefício. A decisão da Assembleia Legislativa do Rio, por exemplo, é recente. Na semana passada, a Mesa Diretora da Casa decidiu derrubar a regalia. Em Goiás, foi necessária a intervenção do Judiciário. A Corte Especial do Tribunal de Justiça do estado declarou inconstitucionais os artigos que preveem a criação dos 14º e 15º salários para deputados goianos. A extinção desse tipo de privilégio ainda está em debate nas demais casas legislativas estaduais.

“Quero parabenizar o Correio Braziliense, que está travando uma cruzada importante para moralizar a vida pública deste país, que é a luta pelo fim dos 14º e 15º salários” Reguffe (PDT-DF), deputado federal

R$ 26,7 mil Valor atual do salário de senadores e deputados

Tudo começou na Câmara Legislativa… A mobilização do país contra a remuneração extra recebida duas vezes por ano por parlamentares ganhou força em fevereiro de 2012, quando o Correio revelou que os deputados distritais haviam embolsado o 14º salário, no valor de R$ 20 mil, às vésperas do carnaval, quando ficariam 12 dias de folga. A Câmara Legislativa se viu obrigada a acabar com a regalia no DF. Em março, uma nova denúncia do jornal mostrou que não havia desconto do Imposto de Renda do 14º e do 15º salários pagos aos senadores. A força das notícias indignou o país, impulsionando uma campanha que ganhou as redes sociais, motivou protestos e constrangeu o parlamento brasileiro. Depois das reportagens, um projeto que extingue o benefício — que estava esquecido desde 2011 nos escaninhos do Senado — foi aprovado na Casa e enviado para a Câmara dos Deputados que, ontem, derrubou definitivamente os salários extras. A votação histórica pôs fim a um privilégio que custava ao contribuinte R$ 31,4 milhões por ano, a valores de hoje.