Título: Uma economia anual de R$ 31,7 milhões
Autor: Valadares, João ; Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 28/02/2013, Política, p. 2

Proposta para acabar com a mordomia dos parlamentares ganhou celeridade com a posse do novo presidente da Câmara

Ao confirmar o fim da regalia histórica recebida pelos parlamentares, o Congresso passa a evitar que R$ 31,7 milhões escoem de seus cofres anualmente. A remuneração era feita duas vezes por ano a cada um dos 513 deputados e 81 senadores — totalizando 594 parlamentares que recebiam os dois salários extras de R$ 26,7 mil todo ano. Apesar da economia, o parlamento manteve até agora o benefício que era pago há 67 anos e ainda resistiu a extingui-lo. O pontapé final foi dado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que assumiu o cargo em 4 de fevereiro.

As contas acima levam em consideração apenas o número oficial de parlamentares. Na prática, um mesmo gabinete pode ter recebido 14º salário diversas vezes no mesmo ano, aumentando os gastos. Reportagem publicada pelo Correio em outubro de 2012 revelou que a ajuda de custo de fevereiro era paga a quem exerceu o mandato por 30 dias a contar da primeira vez que assumiu o cargo no ano. Assim, um deputado titular que se licenciava, após pelo menos um mês no exercício do mandato, recebia a parcela integral de R$ 26,7 mil, além do salário normal e do 13º proporcional. E o suplente que assumia o cargo, e nele permanecia no mínimo por 30 dias, ganhava a mesma quantia novamente.

Com tanta mordomia, o projeto que acaba com os salários extras ficou parado na Câmara no ano passado. Em julho, a matéria foi para a Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e recebeu parecer favorável do relator Afonso Florence (PT-BA), mas entrou e saiu da pauta do colegiado cinco vezes. A opção de o texto ser puxado diretamente para o plenário existia desde o início — o requerimento de urgência aprovado ontem estava pronto na mesa desde maio.

Com a Henrique já na presidência da Câmara, Florence o procurou para discutir o projeto. “Ele não só demonstrou interesse em colocar o tema na pauta como o levou à reunião de líderes seguinte”, destaca o relator. Na semana passada, o presidente da Câmara conversou com colegas mais próximos e afirmou que esse seria um dos primeiros projetos a serem aprovados em sua gestão. Para convencer os demais deputados de sua intenção, declarou aos líderes partidários que levaria a proposta ao plenário mesmo se não houvesse consenso, o que poderia causar constrangimento aos que fossem contrários ao fim do benefício.

Discursos Diante da pressão, todos os líderes saíram da reunião dizendo-se favoráveis ao projeto — mesmo os que não quiseram se manifestar no ano passado. De assunto proibido, o fim da regalia tornou-se bandeira coletiva e apenas dois deputados contra a proposta tiveram coragem de publicizar seus reais sentimentos ontem. Na tribuna, somente Newton Cardoso (PMDB-MG) tomou o microfone para falar a respeito. “Os deputados estão votando aqui com medo da imprensa. Isso é uma deslealdade com os deputados que precisam. Eu pago caro para trabalhar aqui. Não falo nem por mim. Eu abro mão do benefício”, afirmou. Toninho Pinheiro (PP) discursou contra a mordomia, mas fez uma cobrança pública inusitada ao presidente da Câmara. “Tudo bem. Acho que deveremos acabar mesmo com essa regalia, mas o senhor precisa olha por nós. Alguns deputados trabalham em gabinetes que não têm nem banheiro. Merecemos atenção”, disse.

Em uma das mesas do restaurante do plenário lotado, o deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA) falava alto e gesticulava bastante. Longe da tribuna, ele fazia um discurso a favor da manutenção dos salários extras. Deputados em volta sorriam. “Vou fazer um requerimento pedindo a criação do 16º salário. Sem o 14º e o 15º, o que vou dizer às pessoas humildes que vão ao meu gabinete pedindo passagens aéreas, remédios e outras coisas? Vou tirar esse dinheiro de onde?”, questionava. Não satisfeito, o parlamentar continuou o discurso informal. “Falar que temos 14º e 15º é injustiça. Quer justiça? Proponha trocar seu salário com o da sua empregada.” No plenário, ele se calou.