O globo, n. 31816, 15/09/2020. Economia, p. 21

 

Governo precisa cortar gastos para manter teto

Marcello Corrêa

15/09/2020

 

 

Ao contrário das estimativas Oficiais, estudo elaborado pela instituição Fiscal Ind epend ente, ligada ao Senado, indica que apenas com redução das despesas em 2021 será possivel cumprir o limite constitucional

 O governo terá que cortar R$ 20,4 bilhões em despesas para cumprir o teto de gastos no ano que vem, segundo projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado.

A equipe econômica acredita que com as despesas projetadas para o próximo ano, de acordo com a proposta orçamentária apresentada no mês passado, será possível cumprir a regra fiscal.

Na avaliação da IFI, a previsão feita pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, subestima despesas. Os benefícios previdenciários, por exemplo, estimados em R$ 704,4 bilhões pelo governo, devem chegar a R$ 731,3 bilhões, nas contas da entidade.

A instituição aponta ainda que os gastos livres — ou discricionários, no jargão técnico — também foram subestimados. Para a IFI, essas despesas devem ficar em R$ 123,2 bilhões, enquanto o governo reservou R$ 108,4 bilhões para essa área, que inclui investimentos e o custeio da máquina pública.

O teto de gastos foi criado em 2016 e prevê que as despesas primárias (que excluem o pagamento de juros) não podem crescer mais que a inflação do ano anterior, fechada em junho.

Por essa regra, o limite fixado para o ano que vem é de R$ 1,485 trilhão. Mas as contas da IFI indicam que os gastos sujeitos à trava fiscal alcançarão R$ 1,506 trilhão, o que exigiria o ajuste.

Fazer esse tipo de ajuste é difícil porque a maior parte do Orçamento é de despesas obrigatórias, como o pagamento de aposentadorias e salários de servidores.

Sem mudanças estruturais, restaria ao governo cortar nas despesas livres, o que inclui o custeio da máquina e poderia levar à paralisação da prestação de serviços públicos, alerta a IFI.

Na avaliação da instituição, faltou ao projeto orçamentário a previsão do risco de rompimento do teto.

“O ideal seria observar, pelo menos, que o quadro do PLOA (projeto orçamentário), uma vez incrementado pelo provável gasto com o novo programa social (Renda Brasil), já levaria à necessidade de contenção de gastos discricionários. Essa contenção, por sua vez, na prática, será difícil de se realizar em prejuízo de áreas e políticas essenciais, colocando a política fiscal em um nítido dilema”, aponta o relatório.

A equipe econômica defende a aprovação de medidas que reduzam os gastos obrigatórios para abrir espaço no teto sem inviabilizar o custeio da máquina pública.

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Despesas com servidor podem cair R$ 1,7 trilhão em 20 anos

Eliane Oliveira

15/09/2020

 

 

Economia seria obtida por meio de medidas de controle fiscal, aponta IPEA

 Medidas de controle de gastos de pessoal — como o congelamento de salários por dois anos, a redução da taxa de reposição de servidores que deixaram o setor público, a diminuição do salário médio dos funcionários entrantes, o alongamento das carreiras e a reforma administrativa encaminhada este mês ao Congresso —poderão gerar uma economia de R$ 1,3 trilhão a R$ 1,752 trilhão nos cofres da União, dos estados e dos municípios nos próximos 20 anos, segundo estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Em dez anos, a economia somaria R$ 816 bilhões.

O levantamento, denominado “Ajustes nas despesas de pessoal do setor público: cenários exploratórios para o período 2020-2039”, tem por objetivo subsidiar as discussões sobre como reduzir os gastos com os servidores públicos. Mas os números não são exatos, devido a uma série de fatores, entre os quais a precariedade dos dados fornecidos por alguns estados e a dependência de um conjunto “amplo e incerto de condicionantes econômicas, políticas e legais”.

José Ronaldo Souza, diretor de estudos e políticas econômicas do Ipea, explicou que, à exceção do congelamento dos salários, as medidas citadas no estudo estão relacionadas a um possível conjunto de ações da reforma administrativa, que vão afetar novos servidores e, por isso, levarão um tempo maior para terem algum efeito. Ele reforçou que o levantamento é apenas um exercício, dadas as incertezas quanto ao futuro.

— O importante é que, quanto antes as medidas entrarem em vigor, mais rápido será o impacto fiscal.

O diretor-adjunto do Ipea, Marco Cavalcanti, explicou que os cenários levam em conta taxas de reposição de servidores de 90% para nível superior e 50% para nível médio, com a perspectiva de aumento da produtividade, para evitar que os serviços públicos fiquem comprometidos. A redução do salário inicial seria de 30% e o tempo de carreira seria dobrado.

 IMPACTO RELEVANTE

Ana Carla Abrahão, economista especializada em finanças públicas, disse que não conhece em detalhes o estudo do Ipea, mas afirmou que as projeções de economia não a surpreendem.

—Na medida em que você tem congelamento de salários, congelamento de concursos e a eliminação desses dispositivos que geram crescimento vegetativo da folha, o impacto de fato é muito relevante —disse.

Ana Carla defendeu a incorporação dos atuais servidores na reforma administrativa. Com isso, os efeitos das mudanças começarão a ser sentidos com maior brevidade.

— Isso só reforça o impacto e a necessidade de termos a incorporação dos servidores atuais na reforma, para garantir que números como esse sejam economizados já, e não daqui a 20 anos . O especialista Raul Velloso questionou alguns pontos do estudo do Ipea.

Segundo ele, os gastos com pessoal estão caindo em termos reais. Por isso, o ideal seria perguntar se esse cenário vai se manter, em razão de medidas tomadas antes, e não por conta de medidas apontadas no estudo, como o congelamento de salários por dois anos, alongamento da carreira para novos entrantes, menor taxa de reposição de servidores em geral e queda do salário inicial.

— Se há tantas dúvidas quanto à União, quando se chega aos estados, as incertezas são ainda maiores em um horizonte de dez anos — ponderou Velloso.