Correio braziliense, n. 20955, 07/10/2020. Política, p. 4

 

Currículo de Kassio é contestado

07/10/2020

 

 

O currículo acadêmico apresentado pelo desembargador Kassio Nunes Marques, indicado de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), traz um curso de pós-graduação que não é confirmado pela Universidad de La Coruña, na Espanha. Universidades citadas no currículo apresentado pelo magistrado, e disponível no seu perfil no site do Tribunal Regional Federal da 1ª região (TRF-1), foram indagadas a respeito dos cursos que ele afirma ter feito.

Para ser ministro da mais alta Corte de Justiça do país não é preciso ser formado em Direito. O requisito do “notável saber jurídico”, conforme previsto em lei, pode ser obtido por qualquer pessoa, com qualquer formação, e reputação ilibada. Mas, no documento que consta no portal do TRF-1, Marques menciona que concluiu pós-graduação em “Contratación Pública”, pela Universidad de La Coruña. Só que a instituição, ao ser questionada, informou que não oferece nenhuma pós-graduação deste curso.

“Informamos que a Universidade de La Coruña não ministrou nenhum curso de pós-graduação com o nome de Postgrado en Contratación Pública”, declarou a universidade, em resposta ao O Estado de S.Paulo.

Ao ser questionada diretamente se Kassio participou, ao menos, de alguma atividade com o nome de “Contratación Pública”, a universidade enviou uma cópia de um certificado de Marques, mostrando que o desembargador participou apenas de um curso de quatro dias, entre 1 e 5 de setembro de 2014.

“Kassio Nunes Marques participou como ouvinte do ‘I Curso Euro-Brasileiro de Compras Públicas’, organizado pela Universidade da Coruña, o Programa Ibero-Americano de Doutorado de Direito Administrativo, a Rede Ibero-americana de Compras Públicas, o Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos de Infraestrutura e Grupo de Pesquisa de Direito Público Global, realizado na Escola de Direito da Corunha entre 1 e 5 de setembro de 2014”, informa o certificado.

Os questionamentos ao currículo chegaram ao conhecimento de Kassio. Na audiência virtual que teve, ontem, com sete senadores, o desembargador chegou a fazer comentários aos parlamentares sobre os cursos de pós-graduação. Segundo um senador presente à reunião, o magistrado teria demonstrado preocupação com a repercussão que esse tema poderia ganhar, mas disse aos senadores que, caso houvesse polêmica, tinha as justificativas. Nesta conversa, Marques chegou a mencionar que não há exigência de formação em Direito para ser ministro do STF, mas sim reputação ilibada.

Pós-doutorado

O currículo de Marques cita, também, dois cursos de pós-graduação feitos na Universidade de Salamanca, na Espanha: o primeiro, um doutorado em Direito, com especialização em Administração, Fazenda e Justiça; o segundo, um pós-doutorado em Direitos Humanos. Questionada, a instituição afirmou que as informações públicas de alunos estão disponíveis no site da instituição. O doutorado aparece, de fato, no site da universidade, mas mostra que a tese foi defendida em 25 de setembro passado. O pós-doutorado em Direitos Humanos, no entanto, não consta no banco de dados públicos da Universidade de Salamanca.

Mais um curso de pós-doutorado consta no currículo de Kassio, o de Direito Constitucional, pela Universidade de Messina (Universitá Degli Studi di Messina), na Itália. A instituição, porém, não respondeu sobre a atuação do desembargador neste curso.

Pelo currículo, Kassio teria concluído o doutorado apenas 11 dias atrás e teria dois pós-doutorados.

No Brasil, o currículo no TRF-1 diz que ele tem mais uma pós-graduação, em Ciências Jurídicas, pela Faculdade Maranhense – MA (sic). Mas não foi encontrada qualquer instituição com esse nome, como consta no currículo, que ofereça tal pós-graduação. A Faculdade Maranhense (FAM), que foi contatada, informou que não tem cursos relacionados ao Direito. Já a Faculdade Maranhense São José dos Cocais, não respondeu se o curso é ofertado e ou se o desembargador foi seu aluno.

Com relação à graduação de Marques, em Direito, pela Universidade Federal do Piauí, a instituição confirmou que ele finalizou o curso em 1994 e disse que obteve Índice de Rendimento Acadêmico de 8.3704 pontos, “sem qualquer registro que desabone sua conduta acadêmica”. A assessoria de imprensa do TRF-1 informou que “não está autorizada a falar em nome do desembargador federal Kassio Marques, que, por ora, não está respondendo às demandas da imprensa”. O tribunal declarou que, conforme informado pelo gabinete do magistrado, o currículo oficial atualizado está disponível no portal do tribunal.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Das sabatinas informais à formal, dia 21

07/10/2020

 

 

O desembargador Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal, será oficialmente sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no próximo dia 21. Na prática, porém, o escolhido já vem passando por sabatinas informais em jantares com senadores, integrantes do governo e ministros do STF.

Além das sabatinas informais, Kassio já conversou com ao menos 20 senadores, e pretende falar com todos antes de ser ouvido oficialmente. Ontem, disse aos parlamentares que admite a possibilidade da prisão em segunda instância, mediante decisão fundamentada, mas que, independentemente da sua visão como juiz, vai respeitar a decisão que o Congresso sobre o momento da execução da pena. “Eu sou de uma natureza de juiz daqueles que respeitam a decisão do Parlamento”, afirmou, em audiência virtual reservada com sete senadores, diante de um questionamento sobre se é a favor da prisão em segunda instância.

“Esta matéria está agora na competência do Congresso Nacional. Então, para manter coerência com o que eu disse no início, eu sou de uma natureza de juiz daqueles que respeitam a decisão do Parlamento. Então, o que o Parlamento brasileiro decidir será o que será aplicado”, afirmou o desembargador.

A sinalização de que deve respeitar as posições do Congresso, não apenas nesse caso, é algo que agrada aos críticos do chamado “ativismo judicial”, como o presidente Jair Bolsonaro. No ano passado, por exemplo, o Supremo decidiu criminalizar a homofobia, sem que o Congresso tivesse criado tal crime. Bolsonaro reclamava dessa decisão da Corte.

O indicado do presidente para a vaga do decano Celso de Mello, que se aposenta no dia 13, também procurou reforçar a posição de combate à corrupção. Em tom político, disse que esse é um desejo de todas as autoridades em Brasília.

Pós-doutorado

Kassio disse que “ficaria perplexo se fosse indicado qualquer cidadão brasileiro, seja ele advogado, magistrado, ou outro cidadão, pois a Constituição não exige que seja sequer bacharel em Direito para ser ministro do Supremo Tribunal Federal, que fosse contra o combate à corrupção”. “Todos nós, Congresso Nacional, magistrados brasileiros, Ministério Público Federal, todos estamos em uma corrente para transformar o Brasil”, disse.

Na conversa, o desembargador pregou, ainda, sobre a necessidade de “aparar os excessos”. “Então o que é possível no Brasil, de uma forma democrática, é essa construção de um Brasil novo, aparando os excessos. Eu prezo muito pelo sistema de precedentes. Nós devemos julgar sem olhar a capa do processo, porque aquele julgamento vai servir para nossos filhos, nossos netos, e toda a sociedade brasileira”, afirmou. “Para não fulanizar, com uma ou outra operação, essas operações, elas midiaticamente dão muita luz à Polícia Federal que as efetivam, mas elas passam pelo Ministério Público e por uma decisão judicial”, completou.

Ele foi questionado também sobre se está comprometido com o combate à corrupção no país e se foi indicado a Bolsonaro pelo advogado Frederik Wassef, que defendia o presidente e o filho Flávio Bolsonaro (senador pelo Republicanos) até recentemente e que, no momento, é alvo de investigações. Em resposta, negou ter qualquer padrinho.

“O que eu posso asseverar é que essa indicação foi exclusiva do presidente Bolsonaro. Há um ditado antigo em Brasília, que diz que quando a imprensa ultrapassa cinco nomes indicando como padrinhos de indicados, é porque realmente não consegue descobrir”, disse.

Na audiência, Kassio falou para os senadores Marcos do Val (Podemos-ES), Wellington Fagundes (PL-MT), Elmano Ferrer (PP-PI), Rodrigo Pacheco (MDB-MG), Jaime Campos (DEM-MT) e Maria do Carmo Alves (DEM-SE). O tom foi amistoso e elogioso.