Valor econômico, v. 21, n. 5109, 19/10/2020. Brasil, p. A2

 

Reclamações contra o governo Bolsonaro aumentam na OIT

Assis Moreira

17/10/2020

 

 

Número de contestações apresentadas na organização contra o governo brasileiro cresce nas últimas duas semanas e ameaça provocar nova colisão do país com a entidade

O número de reclamações apresentadas na Organização Internacional do Trabalho (OIT) contra o governo de Jair Bolsonaro aumentou nas últimas duas semanas e ameaça provocar uma nova colisão entre o governo e a entidade, conforme o Valor apurou.

As contestações submetidas por sindicatos brasileiros e associações internacionais de trabalhadores podem pavimentar o terreno para o país figurar de novo numa lista negra de violação de convenções trabalhistas no começo de 2021 na OIT.

São questionadas a aplicação pelo governo brasileiro de pelo menos nove convenções internacionais: a 98, que trata de sindicalização e negociação coletiva; a 11, de direito de sindicalização na agricultura; a 135, de proteção de representantes sindicais; a 141, de organizações de trabalhadores rurais; a 144, de consultas tripartites sobre normas internacionais do trabalho; a 151, de relações de trabalho no serviço público; a 154, de fomento à negociação coletiva; a 155, sobre igualdade de oportunidades e tratamento para homens e mulheres trabalhadores; e a 189, sobre trabalhadoras domésticas.

A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), a Força Sindical, além da Confederação Sindical Internacional (CSI) e da Internacional de Serviços Públicos (ISP). colocam ênfase no que consideram inconsistência da reforma trabalhista adotada há três anos. A mobilização contra essa reforma utiliza a mesma argumentação, de que a mudança retira direitos ou rebaixa o piso da lei e reduz a atratividade e o incentivo ao engajamento dos trabalhadores em negociações coletivas.

O contraponto é dado pela Confederação Nacional da Industria (CNI) e pela Organização Internacional dos Empregadores (OIE). Fontes do governo também notam que 95% dos acordos foram realizados por intermédio de negociações entre empregadores e empregados. A suspeita é de que os sindicatos no fundo querem mesmo é recuperar o imposto sindical, desmontado pela reforma.

Além disso, a ISP denunciou o Brasil por condições precárias de trabalho durante a crise sanitária de covid-19. Argumenta que o governo Bolsonaro não respeita as normas de enfrentamento da pandemia. É uma questão que pode atrair ainda mais a atenção dos peritos da OIT, levando em conta a forma como Bolsonaro tem minimizado a pandemia.

A Fenatrad, representante das trabalhadoras domésticas no país, também se queixou na OIT de que inclusive alguns governos estaduais consideram o emprego doméstico como serviço essencial, pondo em risco a saúde dessas trabalhadoras.

A mobilização contra o governo brasileiro acelerou nas últimas semanas em vista da reunião, em fins de novembro, da Comissão de Aplicação de Normas da OIT, formada por peritos independentes.

Um relatório dessa comissão é que vai servir de base para a elaboração de uma lista preliminar de 40 casos suspeitos de violação das convenções. A lista será depois encurtada para 20 casos mais graves que normalmente são examinados à margem da conferência internacional do trabalho.

Por causa do exame da reforma trabalhista por esse mesmo comitê, o então governo de Michel Temer ameaçou suspender a participação do país na convenção 98. Acusou de falta de imparcialidade do secretariado da OIT, que é quem nomeia os peritos independentes.

Agora, Brasília parece ter ainda mais convicção de que a OIT continua sendo instrumentalizada para campanha política internacional contra o governo brasileiro.

Em Brasília, o governo reavalia se continua participando de certos mecanismos da OIT ou se simplesmente os ignora. A relação do governo com a OIT está “com dinamite no caminho”, como diz um observador.

O governo já ameaçou sair da convenção 169, que trata dos direitos dos povos indígenas. É uma convenção especialmente sensível politicamente. Se o governo no futuro realmente adotar essa postura, a imagem do Brasil na cena internacional tenderá a piorar ainda mais.