Valor econômico, v. 21, n. 5109, 19/10/2020. Brasil, p. A6

 

Prefeitos não gastaram metade dos R$ 42 bi para covid

Marta Watanabe

19/10/2020

 

 

Receio é que recursos tenham que ser devolvidos ao Ministério da Saúde caso não sejam usados neste ano

Os municípios podem chegar ao fim do ano sem usar parte de recursos em caixa carimbados para a saúde ou, mais especificamente, para a covid-19. O montante ainda disponível é estimado atualmente em R$ 21 bilhões, o equivalente à metade dos R$ 42,2 bilhões em repasses extraordinários feitos pela União às prefeituras neste ano.

Os prefeitos receiam que, caso não sejam usados em 2020, os recursos tenham que ser devolvidos ao Ministério da Saúde. Eles querem mais prazo para aplicar os recursos e também que os valores carimbados para o combate à covid-19 possam ser aplicados a outras ações da área de saúde.

“A covid-19 não acaba em 31 de dezembro em um passe de mágica”, diz Gilberto Perre, secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Embora alguma parcela dos R$ 21 bilhões hoje disponíveis em caixa possa estar empenhada ou vir a ser destinada em breve, é provável que a maior parte dos recursos não seja usada até o fim do ano, afirma ele. Com fontes diversas, explica, os valores são carimbados para saúde ou ao combate à pandemia. Além dos auxílios extras que os municípios receberam em 2020, os recursos incluem repasses ordinários do Ministério da Saúde e transferências originadas por emendas parlamentares.

“A dificuldade para executar recursos destinados à saúde já existia, mas isso se agravou com o coronavírus”, diz Perre. Segundo ele, os repasses extraordinários, embora importantes, vieram tarde, a maior parte desde junho. “Quando os repasses chegaram, as prefeituras já haviam usado recursos do Tesouro contra a covid-19.” Representantes de capitais e grandes cidades também ressaltam, porém, que o conjunto das medidas emergenciais beneficiou relativamente mais os pequenos municípios, que não dispõem de infraestrutura de saúde para covid-19 e por isso têm menos oportunidade para gastar o que foi destinado para a doença.

Foram três as principais medidas de socorro da União às prefeituras durante a pandemia. A MP 938, depois convertida na Lei 14.041, compensou queda nas transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A MP estabeleceu repasse total de R$ 7,8 bilhões às prefeituras de abril a novembro. De destinação livre, esses recursos permitiram a recomposição maior de receitas das cidades menores, que costumam ser mais dependentes do FPM. Com a instituição de R$ 23 bilhões em recursos aos municípios - R$ 20 bilhões de uso livre e R$ 3 bilhões destinados à covid-19 -, a Lei 173 foi sancionada ao fim de maio.

Os seus pagamentos foram feitos de junho a setembro. Já a Portaria 1.666, do Ministério da Saúde, distribuiu às prefeituras total de R$ 11,3 bilhões carimbados para a doença.

“Houve critérios equivocados na divisão de recursos”, diz Jeferson Passos, secretário da Fazenda de Aracaju. “Não se considerou que estruturas de média e alta complexidade, que são as que geram mais gastos, estão nas grandes e médias cidades, onde se deu a demanda durante a pandemia.”

Outro fator que influenciou, diz, foram as diferentes velocidades de disseminação do coronavírus. Nas cidades do Norte, como o pico da doença se deu antes, as prefeituras usaram recursos próprios. Em Sergipe, conta, a doença chegou mais tarde e isso possibilitou à prefeitura remanejar recursos de forma a priorizar, na saúde, o uso dos repasses carimbados. Mesmo assim, afirma ele, há receio de que cerca de 10% desses valores não sejam executados até o fim do ano.

A prefeitura de Aracaju, diz Passos, desativou o hospital de campanha, mas ampliou testagens e no ano que vem manterá estruturas específicas para atender síndromes gripais e casos de covid-19. “A preocupação é que esses recursos tenham que ser devolvidos no encerramento de 2020.”

Segundo Perre, será elaborada uma nota técnica assinada pela FNP, entidades que reúnem secretários de Saúde, de Fazenda e procuradores gerais para dar maior segurança jurídica às prefeituras no uso dos recursos.

Ao mesmo tempo, diz Perre, a FNP apoia dois projetos de lei que já estão no Congresso. Um deles, de lei ordinária, propõe a prorrogação de uso dos recursos até o fim de 2021. “Há dúvidas jurídicas sobre a aplicabilidade da devolução.”  Outro projeto, de lei complementar, estabelece que recursos carimbados para a covid-19 sejam livremente movimentadas para outras ações de saúde em 2020 e 2021. “Estimativas apontam que com a pandemia haverá ao fim do ano cerca de 1 bilhão de procedimentos represados que demandarão serviços em toda a saúde pública.”