Valor econômico, v. 21, n. 5109, 19/10/2020. Brasil, p. A6

 

Violência contra a mulher está em escalada no país, afirma juíza

Leila Souza Lima

19/10/2020

 

 

Andréa Pachá diz temer que o avanço de convicções e de fés religiosas e privadas transbordem para a vida pública e inviabilizem a efetividade de direitos

O crescimento da violência contra a mulher foi o impacto negativo mais imediato, no âmbito das relações familiares, da chegada da pandemia ao país, afirmou a juíza Andréa Pachá. “Foi um fenômeno constatado logo no início do confinamento”, disse a magistrada, ressaltando que os ataques passam por uma escalada, levando à morte em números elevados.

Entrevistada na Live do Valor na sexta-feira passada, a juíza disse que a lei sana parcialmente o problema, mas não tem sido suficiente para conter seu avanço. “É inegável a importância da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência contra a mulher. Sem esse mecanismo, o que nós tínhamos era uma violência silenciosa e pouco contabilizada.”

Mas para a juíza, sem mudanças profundas nas perspectivas da educação e da cultura, não haverá solução para a violência de gênero, nem mesmo pela via legal. “O punitivismo responde a parte do problema”, frisou ela, afirmando que a sociedade perpetua a ideia da mulher como propriedade do homem.

A juíza ressaltou que as medidas protetivas permitiram refrear casos fatais. “Especialmente quando a violência ainda não escalou, porque nenhum homem acorda e mata a mulher”, disse ela, para ressaltar que o fenômeno é gradual. Ou seja, o ciclo começa com ameaças, nem sempre denunciadas, sucedidas por agressões cada vez mais graves.

Ao comentar casos de estupros contra vulneráveis, Andréa Pachá disse que o Estado falhou na proteção à menina de 10 anos estuprada e engravidada por um tio, no Espírito Santo, na visão da juíza o caso recente mais emblemático da violência contra meninas no país. Após batalha ideológica e legal, que envolveu sociedade, autoridades e agentes públicos, a criança teve a gravidez interrompida em hospital do Recife.

“O que eu temo é que o avanço de convicções e de fés que são religiosas e privadas transbordem para a vida pública e inviabilizem a efetividade de direitos. A gente não está falando aqui de aborto ilegal. Estamos falando de aborto legal. Gravidez aos 10 anos é morte”, afirmou ela.

Segundo a juíza, o Estado deve assegurar, de forma célere, que a criança estuprada tenha acesso meios para interromper a gravidez. “Mas ainda assim, com autorização judicial, essa menina procura a rede pública e tem negado o direito a esse aborto, e não por razões objetivas, compreensíveis e republicanas”, observou.