Valor econômico, v. 21, n. 5109, 19/10/2020. Curtas, p. B5

 

A lenta reconstrução de Mariana cinco anos após a tragédia

Marcos de Moura e Souza

19/10/2020

 

 

Barragem da Samarco se rompeu em 5 de novembro de 2015 e marcas ainda estão pela região

Das seis da manhã às oito da noite, uma multidão formada por pedreiros, carpinteiros, engenheiros e arquitetos se reveza em turnos para colocar de pé o que será o novo distrito de Bento Rodrigues, no município mineiro de Mariana.

Bento foi engolido pela onda de lama e rejeito de minério de ferro que escoou na tarde de 5 de novembro de 2015 quando a barragem de Fundão, em Mariana, se rompeu. A estrutura pertencia à mineradora Samarco e continha 56 milhões de metros cúbicos de lama e rejeito. Hoje, no canteiro de obras do futuro distrito - a 16 km do original - tudo está saindo do zero. Ruas, esgoto, iluminação, casas, escola, igrejas, ginásio poliesportivo, posto de saúde, praça.

Os trabalhos começaram no fim de 2018. É um projeto que, junto com outro reassentamento menor, consumiu cerca de R$ 1 bilhão e que hoje tem 1.700 trabalhadores. No entanto, às vésperas da tragédia completar cinco anos, o resultado desse esforço ainda é pífio e frustrante para as famílias.

Nestes quase cinco anos, só duas casas estão prontas no que será o novo distrito e outras três estão em fase de acabamento. Ao todo serão 250. “O que eu sinto é revolta, angústia, incerteza. Alguns moradores já morreram sem ver sua casa pronta”, disse por telefone Mônica dos Santos, de 35 anos, que morava com a mãe em Bento Rodrigues.

O Valor visitou o canteiro de construção do futuro distrito, viu as obras da escola pública, do posto de saúde e entrou em duas das casas semiprontas.

Bento Rodrigues foi um dos símbolos do desastre. As imagens das casas em ruínas cobertas de lama rodaram o mundo. As famílias de Bento foram instaladas em hotéis e depois em casas alugadas pagas pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, controladoras da Samarco.

Por que Vale e BHP, duas das maiores mineradoras do mundo, que em 2019 tiveram, respectivamente, lucro líquido de US$ 1,7 bilhão e US$ 8,3 bilhões, não conseguiram até agora fazer com que as famílias tenham casas novas é uma pergunta que parece não ter resposta para quem viveu o desastre.

A responsabilidade pela execução das obras e de todas as medidas é da fundação Renova, criada em março de 2016 após acordo entre empresas e os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo. Todos os gastos são cobertos pela Vale e BHP.

André de Freitas, diretor-presidente da fundação desde o início do ano passado, não esconde a insatisfação em relação ao ritmo da construção do novo distrito. “Falta muito trabalho ainda, a gente tem que fazer as casas, está atrasado e ninguém está contente. Mas ver a primeira casa entregue foi um momento emocionante”, diz.

Além dos reassentamentos de Bento e de outros dois distritos, Paracatu de Baixo (também em Mariana) e Gesteira (Barra Longa), a Renova se encarregou de outras frentes, com resultados também incompletos. Uma delas, as indenizações.

Até 31 de agosto, a entidade desembolsou para 320 mil pessoas R$ 1,4 bilhão a título de auxílio de emergência e R$ 1,2 bilhão como indenizações por danos morais, materiais, por perda de lucro e por terem tido abastecimento de água interrompido.

Os danos se estenderam ao longo da bacia do Rio Doce, de Mariana até o litoral do Espírito Santo.

Guilherme de Sá Meneguin, promotor público de Mariana, lembra que uma das dificuldades nesses anos foi a precificação dos bens perdidos. O tema foi parar na Justiça e entre idas e vindas muitas famílias ainda precisam ser indenizadas. O MP entende que o melhor para as famílias é esperar por uma decisão que estabeleça valores justos para a indenização.

Parte das vítimas já optou por fechar acordos individuais por medo de que uma decisão coletiva, ainda que possa ser mais vantajosa, demore ainda muitos anos.

Em junho, uma decisão da Justiça Federal abriu caminho para atingidos até então invisíveis começassem a ser indenizados. São pessoas que trabalhavam em atividades informais e não conseguiam atender a todas as exigências formais para a indenização.

Com regras mais flexíveis, elas começaram a receber valores entre R$ 20 mil a R$ 90 mil aproximadamente. “A gente tem expectativa de conseguir indenizar milhares de pessoas com a nova solução.” Dos R$ 2,6 bilhões pagos, Freitas fala em chegar a cerca de R$ 5 bilhões.

A outra tarefa da Renova tem a ver com o Rio Doce. Pelo rio escoaram e permanecem no leito e nas margens milhões de metros cúbicos de rejeito de minério. Passados quase cinco anos, André de Freitas diz que há razão para comemorar. “Os dados mostram que a qualidade da água do Rio Doce voltou a padrões semelhantes aos de antes do rompimento. Temos 92 estações de monitoramento que mostram que essa qualidade voltou.”

Para o Ministério Público Federal essa é só parte da história. “Ao longo de cinco anos, quem fez o maior trabalho foi a própria natureza, com sua capacidade de regeneração”, diz o procurador Eduardo Henrique de Almeida Aguiar.

Ele chama atenção para o fato de que o rejeito continua em grande quantidade no leito e que basta um período de chuvas mais intenso para que o material seja revolvido e que os níveis de qualidade da água voltem a piorar.

Mas de todas as frentes de atuação da Fundação Renova, a que parece mesmo mais frágil e incompleta é a da reconstrução das casas. A conclusão do novo Bento é visto desde o começo como um símbolo da capacidade de resposta da Samarco, Vale, BHP e Renova.

Em quase cinco anos, houve discordâncias, modificações e intervenções da Justiça no processo de escolha do terreno, na participação das famílias nos projetos, na escolha da localização de cada imóvel, nas licenças ambientais, nas obras de infraestrutura.

No início do ano, a previsão era de que até dezembro 85% das obras estariam prontas. Mas com a pandemia, tudo mudou. “Hoje, por causa da covid-19, a gente está operando com mais ou menos um terço da capacidade que tínhamos previsto de quase 5 mil pessoas em Bento e em Paracatu. E a gente está com 1.700”, diz Freitas.

A fundação diz que por enquanto não tem previsão de quando Bento ficará pronto. “Disseram que seria em maio de 2019, depois em agosto de 2020, depois em fevereiro de 2021, o que não vai acontecer. Todos ficamos na expectativa de um dia voltar para casa”, conta Cláudia de Fátima Alves, de 39 anos, que vivia com os pais e irmãos no distrito devastado.

Quando ficar pronto, o que era um bairro rural e simples será um bairro planejado com casas amplas e modernas. “Vai ser tipo Alphaville de Mariana. A gente costuma dizer que vai ser o Alphabento”, diz Mônica dos Santos. “Mas será que vamos ser felizes lá como éramos antes?”