O globo, n. 31819, 18/09/2020. Sociedade, p. 12

 

Educação ameaçada

Paula Ferreira 

Renata Mariz

18/09/2020

 

 

Em meio às comemorações pelo avanço do Brasil no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na etapa do ensino médio, o governo quer bloquear cerca de R$ 900 milhões do orçamento do Ministério da Educação, ameaçando a manutenção do programa Ensino Médio em Tempo Integral e outras políticas da pasta. O corte total previsto no orçamento deste ano no MEC pode chegar aR $1,5 bilhão.

Só na educação básica, defendida pelo presidente Jair Bolso na roco mo aprioridade do governo no MEC, o bloqueio seria de cerca de R$ 1 bilhão. O Programa Ensino Médio em Tempo Integral tem repasses já autorizados e programados de cerca de R$ 900 milhões que serão comprometidos caso o bloqueio de recursos se concretize, de acordo com cálculos internos da pasta aos quais O GLOBO teve acesso.

Além disso, a possibilidade de cortes no orçamento também para 2021 tem preocupado o ministro da Educação, Milton Ribeiro. Diante do cenário, secretários estaduais de Educação foram acionados par atentar revertera medida a partir de parlamentares de seus estados. Em audiência na Câmara ontem, Ribeiro admitiu que está tentando recuperar os recursos.

—Fui pessoalmente ao Planaltotentar reverter. O assunto estava já encaminhado, considerando que os gestores anteriores não executaram os valores, e o povo da Economia, que quer economizar de todo jeito, viu que tinha valor considerável parado no segundo semestre. Esses valores impactaram sobretudo nosso projeto de educação tempo integral, que foi atingido eque tem dado melhor resultadona questão do Ideb— disse o ministro.

Os cortes chegarão ainda a outras iniciativas que são  bandeiras do governo, como o programa de escolas cívico-militares, defendido por Bolsonaro desde a campanha eleitoral, e os programas de alfabetização Tempo de Aprender e Conta pra Mim. Kits já contratados com materiais que incentivam a leitura, para serem distribuídos a famílias carentes, terão de ser cancelados se o corte se efetivar. A formação de professores para a educação bilíngue de surdos, tema defendido pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, também perderá quase R$ 20 milhões.

Um dos repasses do programa ameaçado pela proposta de corte do governo, no valor de R$ 687,3 milhões, está previsto para ser feito entre outubro e novembro, após consolidação de metas do Ensino Médio em Tempo Integral.

Outra transferência no valor de R$ 156,3 milhões, com empenho e pagamento já autorizados, também será atingida pela medida. Essa parcela se refere a um ajuste devido aos estados no ano de 2020. Há ainda um montante, referente a adesões ao programa efetivadas ainda em 2019, no valor de R$ 82,2 milhões, que também pode ser comprometido, segundo as projeções da equipe de orçamento do MEC.

 

RECURSOS PARA OBRAS

Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, o corte no MEC faria parte de intenção do governo de destinar recursos para grandes obras tocadas pelos ministérios de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura.

Nos bastidores, o ministro da Educação vem demonstrando preocupação com as restrições orçamentárias que podem recair sobre o MEC neste ano e no próximo. A interlocutores, Ribeiro chegou a dizer que o funcionamento de boa parte das políticas da pasta seria comprometido caso o corte se concretize. Na avaliação de aliados, ainda é uma dúvida se o ministro terá força política para garantir recursos.

Em um ofício enviado à subsecretaria de planejamento e orçamento do Ministério da Economia, obtido pelo GLOBO, o MEC argumenta sobre o impacto da proposta de cancelamento de crédito que, segundo a pasta, seria uma sugestão da Secretaria de Governo, ligada à Presidência da República. A proposta de bloqueio incidiria sobre programas que não tiveram seus orçamentos executados até o momento, o que, na visão de pessoas ligadas à pasta da Economia, demonstra uma “incompetência do MEC” para gerir seu orçamento.

A visão em relação à inabilidade da gestão anterior da pasta para administrar os recursos é compartilhada pela atual equipe.

O GLOBO apurou que, na tentativa de reverter o possível arrocho orçamentário, o atual ministro sugeriu a secretários estaduais que pressionem os parlamentares de seus estados contra o bloqueio de recursos do MEC para 2021.

Por meio de nota, o MEC informou que fez “pedido de reconsideração da proposta de cancelamento do orçamento ao Ministério da Economia” e que o corte de R$ 1,5 bilhão visa atender “demanda de créditos de outros órgãos do Poder Executivo, conforme decisão da Junta de Execução Orçamentária”. Segundo a pasta, a decisão ainda depende de aprovação pelo Congresso. O Ministério da Economia afirmou que não iria comentar.