O globo, n. 31819, 18/09/2020. Mundo, p. 29

 

Barganha parlamentar

Thayz Guimarães

18/09/2020

 

 

Com oposição dividida, presidente do Peru enfrenta impeachment hoje

O Tribunal Constitucional do Peru rejeitou, por cinco votos a dois, um pedido de liminar do presidente Martín Vizcarra para suspender um processo de impeachment contra ele. Isso significa que Vizcarra, ou seu advogado, deverá comparecer ao Congresso hoje para se defender da acusação de “incapacidade moral”, derivada de uma suposta contratação irregular de um cantor pelo seu governo. Logo em seguida à apresentação da defesa, ocorrerá a votação. 

Segundo a presidente do tribunal, Marianella Ledesma, os magistrados rejeitaram o argumento presidencial porque não havia a urgência reclamada pelo Executivo para deter a moção de vacância, pois alguns congressistas já haviam anunciado sua intenção de não apoiá-la.

A ofensiva no Congresso, de fato, perdeu força nos últimos dias, após líderes da oposição, temendo uma revolta popular e o aprofundamento da crise política, divergirem sobre o caso. E também pesou a revelação de que o deputado Manuel Merino, que preside o Congresso e abriu o processo de impeachment, chegou a contatar comandantes das Forças Armadas para pedir apoio a um novo governo que ele, primeiro na linha de sucessão, assumiria. 

Ainda assim, o resultado da votação de hoje é imprevisível, dizem especialistas ouvidos pelo GLOBO.

— Depois que o Tribunal Constitucional negou a Vizcarra a interrupção do processo, a situação dele se tornou mais complicada, e qualquer desfecho pode acontecer — disse Wagner Iglecias, professor do Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina da USP. — A impressão é de que a oposição não conseguirá os votos suficientes para destituir Vizcarra, mas poderá chegar perto disso, o que não deixa de ser um enorme desgaste para ele. 

A reação popular deve pesar na decisão dos parlamentares, já de olho nas eleições gerais de 11 de abril, afirma Adriana Urrutia, presidente da Associação Civil Transparência e diretora da Escola de Ciência Política Antonio Ruiz de Montoya, de Lima. 

— Eles não querem ser responsabilizados por uma crise ainda maior e correr o risco de comprometer suas próprias candidaturas —disse.

EMARANHADO DE CRISES

Segundo previsões do Banco Central, a economia do Peru deve cair 12,5% em 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus, que já infectou 744 mil pessoa no país e deixou 31 mil mortos —com as duas crises emaranhando-se agora com a política. 

Segundo levantamento do jornal peruano El Comercio, das nove bancadas do Congresso, apenas uma, a da União pelo Peru, segue mantendo o voto a favor do impeachment. Outras quatro — Ação Popular, Frepap, Podemos e Frente Ampla — ainda não definiram sua posição oficial, mas mesmo que decidam pela remoção do presidente, somariam apenas 70 votos, 17 a menos do que o necessário para destituí-lo.

— Vizcarra tem que pensar bem sua estratégia [de defesa] —disse Urrutia. —Ele tem assumido uma postura de confronto, que faz com que o Congresso reaja da mesma maneira. Se quiser conquistar o apoio de certos parlamentares, vai precisar de uma estratégia mais refinada.  Iglecias aposta numa defesa centrada no apoio dos peruanos

Ao presidente, que não tem partido nem bancada e é visto como um “político honesto” pela maioria da população.

— Vizcarra poderá jogar com o fato de que tem mais de 50% de aprovação popular, enquanto o Parlamento beira os 70% de rejeição na média das pesquisas mais recentes —disse. 

Para Urrutia, o que mais impressiona nesse processo de impeachment, independentemente do resultado, é a exposição da fragilidade do governo peruano.

—As informações contidas nos áudios [vazados e entregues ao Congresso] não são flagrantes de corrupção que alimentem um impeachment, são mais fofocas palacianas que o governo não teve a capacidade de gerir — disse, referindo-se aos trechos em que Vizcarra pede a assessoras que digam que o cantor Richard Cisneros esteve duas vezes, e não cinco, na sede do Executivo.

—As informações contidas nos áudios [vazados e entregues ao Congresso] não são flagrantes de corrupção que alimentem um impeachment, são mais fofocas palacianas que o governo não teve a capacidade de gerir — disse, referindo-se aos trechos em que Vizcarra pede a assessoras que digam que o cantor Richard Cisneros esteve duas vezes, e não cinco, na sede do Executivo.

CONTRATOS SUSPEITOS

Alvo inicial da investigação parlamentar, Cisneros teria sido contratado irregularmente pelo governo para fazer palestras motivacionais no valor de 175.400 soles (cerca de R$ 261,4 mil).

Se aprovada a destituição de Vizcarra, Iglecias prevê um aumento da deterioração das relações entre as instituições e do descrédito da sociedade pela política, além da possibilidade de as eleições gerais de abril serem adiadas. 

— Se o impeachment ocorrer, será mais um abalo em âmbito nacional e regional. Teríamos até as eleições de 2021 um país governado pelo Congresso, que além de muito fragmentado politicamente, tem baixíssima aprovação. Também poderá aprofundar a crise política que o Peru enfrenta há vários anos e tornar ainda mais difíceis a recuperação econômica do país e o combate à pandemia —disse Iglecias. 

Vizcarra assumiu há dois anos, depois que seu antecessor, Pedro Paulo Kucinsky, renunciou antes de sofrer impeachment.

Apesar de negar a liminar pedida por Vizcarra, o Tribunal Constitucional aceitou por seis votos a um julgar se o Congresso extrapolou seus poderes ao solicitar a vacância da Presidência. Este processo levar até dois meses.