O globo, n. 31817, 16/09/2020. Sociedade, p. 13

 

Avanço inédito, mas fora da meta

Paula Ferreira

Johanns Eller

16/09/2020

 

 

Desempenho do ensino médio melhora após mais de uma década estagnado

 Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foram comemorados pelo setor educacional por mostrarem uma evolução histórica no desempenho do ensino médio no país. Educadores e gestores, porém, avaliam que será necessário um esforço considerável para que esses avanços não se percam sob o impacto da interrupção de aulas devido ao novo coronavírus. Além disso, defendem que as boas práticas implementadas pelos estados sejam analisadas e eventualmente replicadas para garantira melhoria da aprendizagem.

O Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) anunciaram ontem os dados do principal indicador da educação básica. Depois de 12 anos praticamente estagnado, o Brasil registrou o maior avanço na série histórica na etapa do ensino médio, passando de 3,8 em 2017 para 4,2 em 2019 —cifra puxada principalmente pela rede pública.

O aumento, no entanto, não foi suficiente para que o país atingisse ametade 5,0 estabelecida para a etapa. Os resultados foram classificados pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, como “surpresas muito boas”.

O Ideb varia numa escala de 0 a 10 e é calculado acada dois anos para os anos iniciais e finais dos ensinos fundamental e médio. Para compor o Ideb, o MEC leva em consideração as notas dos estudantes na prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que foi aplicada nos meses de outubro e novembro do ano passado, e os índices de aprovação, compilados pelo Censo Escolar.

Embora tenha obtido um avanço significativo no ensino médio, o país descumpriu pela quarta vez consecutiva a meta estabelecida. Na rede estadual, 26 unidades da federação apresentaram acréscimo no Ideb em relação a 2017, sendo o Paraná a rede com maior aumento: 0,7. Somente Sergipe manteve a mesma nota registrada na edição anterior: 3,7. Apesar disso, esses avanços não foram suficientes para que os estados atingissem seus objetivos. Somente Goiás conseguiu cumprir a meta de 4,8 estabelecida para a etapa.

MODELO HÍBRIDO

Nesse contexto, fez soar o alarme entre educadores o risco de que os avanços se percam coma interrupção das aulas na pandemia. Para conter o dano, apostam que é preciso protagonismo do MEC para conduzir um modelo eficiente de ensino híbrido, ou seja, parte presencial e parte à distância.

—Finalmente colocamos o trem no trilho e agora era só acelerar, mas aí a pandemia atravessa isso. O efeito da crise do coronavírus para o ensino médio é mais potente, porque pode pressionar por mais evasão e abandono, no caso de pessoas que precisem recuperar sua renda — afirma Ricardo Henriques, especialista na área e superintendente executivo do Instituto Unibanco. — Além disso, está na hora de ter uma política de conectividade muito agressiva para escolas e famílias, com desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem e sequências didáticas adequadas ao desafio de garantir que crianças e jovens aprendam tanto no ambiente da escola quanto no ambiente domiciliar.

A equação que explica o progresso no ensino médio reúne uma série de fatores: profissionalização da gestão escolar; avaliações constantes e discussão de resultados comas equipes pedagógicas. Além disso, gestores mencionamo investimento em educação integral e também no ensino profissionalizante.Emmeio a uma profusão de elementos para explicar anota, um consenso: responsáveis pelo ensino médio, os estados foram os protagonistas dessa mudança.

— O ensino médio é integralmente atribuição dos estados. Como em 2019 vivemos um período de pouca presençado M EC, imagino que a pasta não reivindique qualquer responsabilidade por esses resultados —diz Ricardo Henriques. — Os estados tiveram um foco grande na aprendizagem, com definição de metas, engajamento de suas redes, de regionais de educação e diretores. Houve uma gestão escolar muito forte. Antes mesmo da reforma do ensino médio, várias redes refizeram sua estrutura curricular. Elas passaram afazer avaliação externa, com provas regulares, usando a devolutiva pedagógica como forma de fazer uma leitura sobre a aprendizagem de cada escola, e não algo genérico.

Este é o primeiro ciclo do Ideb apegar meses do governo de Jair Bolsonaro. A educação básica, no entanto,é de responsabilidade principal dos estados e dos municípios. O ensino médio foi o foco das políticas do ex-presidente Michel Temera partir de uma reforma em 2017 e da criação de programas voltados para impulsioná-lo em tempo integral nas redes estaduais. Na opinião de Henriques, o fato de a gestão do ex-ministro da Educação Mendonça Filho ter voltado o foco para a etapa teve papel importante de induzir o debate sobre a necessidade de estabelecer uma diretriz eficiente para a área.

MENOR EVASÃO

Presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed), Cecília Motta afirma que as estratégias dos estados levaram a um cenário de redução da evasão escolar, o que também possibilitou avanços.

— Acertamos na política do ensino médio. Fizemos a educação em tempo integral, colocando o jovem na escola por mais tempo —diz Motta. — Fica muito claro que em estados onde há ensino profissionalizante também há avanço, porque o aluno fica interessado, ele procura a área que ele quer. Os resultados serão melhores desde que as políticas de tempo integral permaneçam.

A especialista em educação da Fundação Roberto Marinho Juliana Leitão chama a atenção para o impacto da pandemia também nos índices do ensino fundamental. Os dados do Ideb mostram que o número de redes municipais que atingiram a meta em 2019 caiu em relação ao último resultado, há dois anos.

— Há uma crise e não se chega a um acordo. Falta articulação, que deveria ser iniciada pelo governo federal e refletida nos estados. Quanto mais tempo você deixar passar os alunos sem aula, maior será a desigualdade e maior será o dano para todos —diz Leitão.

A educadora enfatiza a necessidade de estabelecer uma política robusta para o retorno às aulas:

—A alfabetização se reflete sobre todo o processo de aprendizagem do aluno. Existe uma janela em que ele tem mais condições de aprender, os primeiros anos da vida. Teremos um efeito em cascata se não fizermos uma ação séria de retorno. Podemos colher algo muito danoso se realmente não pensarmos em como retornar. Estamos contratando um problema para o futuro.

Questionada sobre como o MEC deve auxiliar as redes no retorno às aulas, a secretária de Educação Básica, Izabel Pessoa, afirma que a pasta fornecerá auxílio técnico às redes. Em relação ao repasse de recursos, menciona apenas as transferências via Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), já previstas.

—Vamos repassar recursos na ordem de R$ 525 milhões para escolas por meio do PDDE, além de apoio técnico e orientações em relação a protocolos de biossegurança. Além disso, o MEC retomou o painel de monitoramento, de modo que a gente possa aportar recursos para que as escolas tenham todas as condições de retorno.

O presidente do Inep, Alexandre Lopes, diz que o instituto discute a realização de estudos sobre o impacto da pandemia na aprendizagem dos estudantes.