O globo, n. 31817, 16/09/2020. Mundo, p. 27

 

Trunfo de Trump

Filipe Barini

16/09/2020

 

 

Com acordos entre Israel e monarquias árabes, republicano consolida coalizão anti-Irã

 “O dia de hoje marca o amanhecer de um novo Oriente Médio.” Com essas palavras, o presidente Donald Trump abriu ontem a cerimônia da assinatura dos acordos de normalização de relações diplomáticas entre Israel, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, no primeiro tratado do tipo em mais de duas décadas, mas que vai além da diplomacia entre Estados e serve como uma mensagem a um inimigo comum: o Irã.

— As pessoas ouviram as mentiras de que judeus e árabes eram inimigos, que a mesquita de al-Aqsa estava sob ataque, mentiras que passaram de geração em geração. Esses acordos mostram que essas nações estão livres das visões fracassadas do passado, e outras vão seguir esses líderes em breve —afirmou Trump.

O cenário foi o Gramado Sul da Casa Branca, que já recebeu a assinatura de acordos entre Israel e Egito e Israel e Jordânia, além dos termos dos Acordos de Oslo, entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Ao contrário das iniciativas do passado, porém, o objetivo dos termos não parece ser pôr um ponto final em relações marcadas pela guerra, mas sim cimentar posições que marcaram apolítica de Trump para o Oriente Médio.

O antagonismo ao Irã, uma das bases da aproximação, foi lembrado pelo premier israelense, Benjamin Netanyahu. Ao presidente americano, ele manifestou uma “profunda gratidão” por liderara iniciativa, e afirmou que “a paz vai perdurar”.

Apesar de o acordo ser considerado histórico, os Emirados Árabes e o Bahrein foram representados por seus ministros das Relações Exteriores. Segundo a imprensa americana, isso refletiu amaneira co moas conversas foram conduzidas, com negociações indiretas mediadas pelos EUA. Não houve aperto de mãos entre Netanyahu e os monarcas árabes. A questão palestina, negligenciada pela iniciativa, foi mencionada de forma breve pelo chanceler emiradense.

—Obrigado por escolher a paz e por suspender a anexação dos territórios palestinos, ajudando a garantir um futuro de paz para as gerações futuras —afirmou Abdullah bin Zayed al-Nahyan a Netanyahu, que concordou em adiar o projeto de anexar áreas da Cisjordânia ocupada, que já sofria resistência externa, sobretudo da União Europeia, e dentro de Israel.

MAIS 5 PAÍSES INTERESSADOS

O chanceler do Bahrein, Abdullatif bin Rashid al-Zayani, também defendeu novos passos na direção da “paz e segurança regional”: apesar de ter uma população majoritariamente xiita, o Bahrein é comandado por sunitas e tem relações tensas com o Irã.

Momentos antes da cerimônia, Trump deu uma chave dourada a Benjamin Netanyahu, simbolizando a “chave da Casa Branca e dos EUA”. Ele afirmou ainda que pelo menos cinco países estão prontos para assinar acordos semelhantes, sem dizer quais seriam.

Sobre os palestinos, apontados como os maiores perdedores da iniciativa, disse que farão parte desse esforço diplomático “na hora certa”.

Durante a cerimônia, foram lançados foguetes da Faixa de Gaza contra cidades israelenses, deixando duas pessoas feridas sem gravidade. Na Cisjordânia, um ato silencioso foi realizado em Ramallah. Em nota, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, disse que “não haverá paz, segurança ou estabilidade para ninguém na região sem o fim da ocupação e sem respeito pelos plenos direitos do povo palestino”.

O governo saudita, que deu apoio informalà iniciativa, afirmou que“está a ola dodo povo palestino ”, eque “apoia todos esforços para atingir uma solução justa e ampla à questão”.

Emirados Árabes, Bahrein e Arábia Saudita jamais se envolveram em conflitos armados com Israel. As divergências eram em grande parte relativas à questão palestina. Indiretamente, suas relações com os israelenses vêm se intensificando nos últimos anos, tendo em vista o antagonismo ao Irã.

A eleição de Trump, que em 2018 retirou os EUA do acordo nuclear assinado com Teerã por Barack Obama, em 2015, deram às monarquias sunitas do Golfo Pérsico e a Israel a oportunidade de voltar à política que busca isolar o Irã no cenário regional.

Enquanto Washington impunha sanções aos iranianos, abria seu catálogo de produtos militares, com vendas bilionárias às monarquias árabes, que passavam a ter acesso a armas americanas de última geração.

Em termos políticos, os acordos também servem como ferramenta eleitoral para Trump. O republicano vem usando as iniciativas como prova de que está mudando o Oriente Médio e aproximando nações que eram consideradas inimigas. Ontem, o americano disse que a região terá “paz verdadeira” pela primeira vez. Também voltou a fazer a promessa de que, se reeleito daqui a 48 dias, fechará um novo acordo com o Irã.

Analistas não veem um caminho simples. Desde o abandono do acordo nuclear e da retomada das sanções, a chamada “linha dura” ganhou força no Irã, a menos de um ano da eleição presidencial no país. Com as monarquias do Golfo diplomaticamente ligadas a Israel, a desconfiança já existente dentro da cúpula do regime pode ser amplificada.

“Está chegando ao fim o grande conflito do Oriente Médio do século XX, mas o problema é que pode ser o prenúncio do grande conflito do Oriente Médio no século XXI, que será entre os Estados sunitas e Israel contra o Irã e seus aliados xiitas”, afirmou Kenneth Pollack, pesquisador do centro de estudos American Enterprise Institute, à Bloomberg.