Título: Vizinhança inquieta
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 28/02/2013, Mundo, p. 19

Crise de governabilidade irrita sócios europeus e provoca atrito diplomático com líder da oposição alemã

O impasse pós-eleição na Itália ameaça agravar a crise financeira europeia e, além de solavancos nos mercados, já provocou um primeiro atrito internacional — logo com o sócio mais poderoso da União Europeia (UE). Ontem, em visita à Alemanha, o presidente italiano, Giorgio Napolitano, cancelou o jantar que havia marcado com o líder da oposição social-democrata, Peer Steinbrück. O político alemão tinha declarado que “dois palhaços” haviam ganhado as eleições na Itália, em referência ao comediante Beppe Grillo e ao ex-premiê Silvio Berlusconi. Grillo, cujo Movimento Cinco Estrelas (M5S) se firmou como a terceira força política do país, esnobou o convite para integrar uma coalizão de governo com o Partido Democrático (PD, centro-esquerda) de Pier Luigi Bersani, que venceu as eleições, mas não alcançou maioria suficiente para governar.

Napolitano, correligionário de Bersani e, como este, um veterano do Partido Comunista Italiano, declarou que, como chefe de Estado, não toleraria insultos aos adversários. “Nós respeitamos e, naturalmente, exigimos respeito ao nosso país”, disse ele em um discurso para a comunidade italiana de Munique. Logo após o anúncio do resultado na Itália, Steinbrück, que enfrentará a chanceler (chefe de governo) Angela Merkel na eleição de setembro, afirmou ter ficado “chocado (com o fato de) que dois palhaços ganharam”. Diante do impasse eleitoral, cabe a Napolitano confiar a um dos líderes partidários — mais provavelmente, Bersani — a missão de formar o novo governo.

O imbróglio italiano, com suas repercussões para a zona do euro, tem sido debatido intensa e asperamente na Alemanha. Um editorial do diário de inclinação esquerdista Berliner Zeitung afirma que as eleições na Itália devem servir como um alarme político para Buxelas, Paris e, especialmente, Berlim. “A Europa não pode mais arcar com sua terceira maior economia em situação de ingovernabilidade por muito tempo”, diz o texto. Um dia antes, o ministro das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, instou a Itália a compor rapidamente um governo estável para prosseguir com as reformas, “pelo bem de toda a Europa”. A mensagem foi reiterada ontem pelo titular das Finanças, Wolfgang Schäuble.

Pedido de urgência

Em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia (CE, braço executivo do bloco), José Manuel Durão Barroso, voltou a alertar sobre a urgência de encontrar uma solução para a Itália. Ao lado do premiê demissionário Mario Monti, Barroso disse “confiar” na “estabilidade política” para “os interesses da Itália e da Europa”. Um dia antes, Barroso havia pedido aos dirigentes italianos para não se “entregarem ao populismo”. Por ter implementado o pacto fiscal e as medidas de austeridade impostas pela UE, Monti era visto como o candidato favorito do bloco, mas a rejeição a essas posturas entre o eleitorado italiano rendeu ao premiê um péssimo desempenho: ele não ultrapassou 10% dos votos.

O cientista político Marcos Del Roio, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), acompanha a imprensa italiana no diagnóstico de que o país vive o pior momento no pós-Segunda Guerra. Del Roio não vê futuro para uma aliança de Bersani, seja com Grillo ou com Berlusconi, e considera como cenário mais provável a formação de um gabinete de emergência, que governaria apenas até novas eleições.

Na terça-feira, o líder da centro-esquerda havia manifestado disposição para dialogar com o M5S Grillo, ao mesmo tempo que rejeitou a princípio uma aliança com o bloco de centro-direita, encabeçado por Berlusconi. Ontem, porém, Grillo disse que o M5S “não votará a moção de confiança a um governo do PD, nem de outros”. Em texto publicado no seu blog, o comediante disse que Bersani é um “homem morto falando”. O líder do PD respondeu em um comunicado: “O que Grillo tiver para me dizer, inclusive os insultos, quero escutar no parlamento. É onde cada um assumirá suas responsabilidades”.

Fiquei chocado (com o fato de) que dois palhaços ganharam”

Peer Steinbrück, líder da social-democracia alemã, comentando o resultado das eleições na Itália