O globo, n. 31814, 13/09/2020. Sociedade, p. 12

 

Vacina de Oxford para Covid-19 retoma testes

Cristina Fibe

13/09/2020

 

 

Estudo clínico estava parado desde o dia 6, após suspeita de reação adversa sofrida por voluntária britânica da pesquisa; reinício dos trabalhos já foi autorizado por autoridades sanitárias do Reino Unido e pela Anvisa; no Brasil, recomeçam amanhã

 A Universidade de Oxford recebeu sinal verde para retomar os testes da vacina ChAdOx1nCoV-19, imunizante produzido em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, e os trabalhos já podem ser reiniciados em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde recomeçam amanhã. Os testes do produto estavam em pausa para avaliação de um caso suspeito de reação adversa numa voluntária britânica, e dependiam do aval de um comitê independente para poderem ser retomados.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu ontem as informações dos especialistas, avaliou-as e liberou a continuidade da pesquisa em poucas horas. Reunidos à tarde, os técnicos da agência concluíram que a relação benefício/risco “se mantém favorável” à liberação, após decisão positiva também do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Os testes no Brasil haviam sido suspensos na última terça-feira. Os especialistas avaliaram uma série de informações recebidas da agência reguladora britânica (MHRA), do Comitê Independente de Segurança do Estudo Clínico e da AstraZeneca. Foram analisados vários fatores, como a causalidade e o conjunto de dados de segurança gerados no estudo. Quando a decisão foi tomada, o Reino Unido já tinha decidido retomar seus estudos. Até agora, cerca de 18 mil voluntários já receberam o imunizante, que se encontra na fase três das pesquisas. Segundo a Universidade de Oxford, é esperado que em testes de eficácia como esse, alguns participantes apresentem efeitos colaterais, que devem ser avaliados caso a caso para que os estudos continuem. Os ensaios clínicos já passaram pelas fases um e dois, com comprovação de segurança e produção de anticorpos contra a Covid-19.

RECRUTAMENTO

No Brasil, o estudo envolve 5 mil voluntários e também deve ser retomado, após liberação da Anvisa e do Conep), afirmou em nota a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que coordena as pesquisas no país, por meio do Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie). À noite, a AstraZeneca confirmou em nota a retomada dos testes amanhã.

Até agora, 4.600 voluntários já foram recrutados e vacinados no Brasil, sem registro de intercorrências graves de saúde. No Rio e em Salvador, os estudos são realizados e financiados pelo Instituto D’Or. O teste da vacina de Oxford tinha sido interrompida no dia 6 de setembro, segundo a universidade, para que os dados fossem avaliados pelo comitê independente e por reguladores do governo britânico. As reuniões de rotina seguiram, mas a vacinação de voluntários ficou em pausa. Ainda de acordo com a Universidade de Oxford, a avaliação independente concluiu que os ensaios podem ser retomados.

“Não podemos divulgar informações médicas sobre a doença por razões de confidencialidade dos participantes”, afirmou a universidade, em comunicado. “Estamos comprometidos com a segurança dos nossos participantes nos níveis mais altos da condução do estudo, e continuaremos a monitorar de perto a segurança”.

A vacina da AstraZeneca é a principal aposta do governo brasileiro para a resposta de médio prazo à Covid-19. Em junho, o Ministério da Saúde anunciou um acordo com Oxford para a produção inicial de 30,4 milhões de doses do produto. O primeiro lote foi anunciado para dezembro e o segundo, para janeiro pela Bio-Manguinhos, laboratório da Fiocruz. Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro assinou medida provisória que prevê investimento de R$ 1,9 bilhão na produção e aquisição da vacina de Oxford. A verba será para transferência de tecnologia, permitindo ao laboratório da Fiocruz  fabricar o imunizante. “Isso significa que estamos garantindo a produção e a entrega de 100 milhões de doses, além de trazer para o país a capacidade de utilizar na indústria nacional essa nova tecnologia e dar sustentabilidade ao Programa Nacional de Imunização”, ressaltou o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, na assinatura da MP.

A medida prevê o repasse de R$ 522,1 milhões para a estrutura de Bio-Manguinho se R $1,3 bilhão para despesas referentes apagamentos previstos no contrato de Encomenda Tecnológica. Horas antes de a notícia da suspensão dos testes vir à tona, Pazuello declarou que a previsão do governo era de começar a vacinação em janeiro de 2021.

Após alguns dias de investigação, cientistas confirmaram que a voluntária em questão tinha de fato tomado a vacina, e não estava no braço do estudo que recebe placebo (para efeito de comparação). A paciente teria se recuperado do episódio, mas cientistas não divulgaram conclusões sobre se o problema sofrido por ela estaria ou não relacionado à administração da vacina.

MIELITE TRANSVERSA

Nos primeiros relatos, os pesquisadores afirmaram que o caso se trataria de mielite transversa, um tipo de inflamação na medula espinhal, tipicamente provocado pela interação do sistema imune com alguns patógenos. Nos comunicados de ontem, empresa e universidade que lideram o teste não confirmaram detalhes. “A AstraZeneca e a Universidade de Oxford, como patrocinadora do estudo, não podem divulgar mais informações médicas. Todos os investigadores e participantes do estudo serão atualizados com as informações relevantes e isso será divulgado em registros clínicos globais, de acordo com o ensaio clínico e padrões regulatórios”, afirmou a empresa farmacêutica em comunicado à imprensa.