Título: Na mira, o segundo barão
Autor: Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2013, Cidades, p. 34

A Viplan é a bola da vez. O governo não esconde a possibilidade de também tomar as linhas de ônibus operadas pelas empresas da família Canhedo. Excluído da concorrência para operar o transporte público do Distrito Federal, o conglomerado sempre teve a maior fatia no mercado. Mas isso nunca resultou em ganhos aos usuários nem à saúde financeira do grupo. Tanto que ele acumula ações judiciais que o impedem de participar da licitação das cinco bacias, usa os veículos mais velhos do sistema e acumula milhões em dívidas.

Perfil traçado pelo Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), a pedido do Correio, mostra que a idade média da frota dos Canhedo é a mais alta. Ele opera 730 ônibus, distribuídos entre as empresas Viplan, Condor e Lotáxi. Os carros dessa última têm, em média, 15,4 anos, mais do que o dobro do permitido. Porém, justamente o tamanho do grupo, que responde por 35% do setor, impediu que a Viplan fosse alvo da primeira intervenção. Técnicos do GDF avaliam ser complicado assumir todos os serviços, da noite para o dia, pois afetam a vida de milhares de pessoas. No entanto, o governador Agnelo Queiroz admite que a ação pioneira contra o Grupo Amaral pode se repetir na Viplan. "(Uma nova intervenção) depende muito mais das empresas que do próprio GDF. A obrigação das permissionárias é cumprir os contratos. O GDF não vai se furtar de tomar providências", afirmou ele, logo após o governo

usar força policial para tomar ônibus, garagens e linhas das empresas do ex-senador Valmir Amaral. Não é de hoje que o grupo Viplan vem dando motivos para ter o mesmo fim. As suas permissionárias são campeãs em multas do DFTrans. A família Canhedo lidera o esquema que há mais de meio século se apropriou do transporte coletivo de Brasília. Talvez por isso tem sido a maior opositora da concorrência aberta pelo GDF para renovar toda a frota de ônibus da capital e elaborar contratos que obriguem as empresas a se submeterem ao controle do governo. Trata-se da primeira licitação do milionário sistema, comandado há décadas por Amaral, Canhedo e Nenê Constantino — dono do grupo Planeta.

Golpe da Fácil

Como os outros dois grandes aliados, os Canhedos acumulam ações judiciais. Completamente sucateada, a frota da Viplan não tem os equipamentos básicos de segurança, os ônibus quebram com frequência diária, usam placas frias nem sequer seguem as rotas. E é o presidente do grupo, Wagner Canhedo Azevedo Filho, quem preside o sindicatos dos donos das empresas de ônibus do DF. É também um dos principais envolvidos nas operações Drakkar 1 e 2, da Polícia Civil, que, em 2011, flagrou 1,2 mil ônibus piratas no DF — pertencente às permissionárias do sistema — e desmantelou uma quadrilha responsável por desviar recursos do passe escolar e do idoso por intermédio da empresa Fácil Brasília Transporte Integrado.

Na investigação que resultou na Drakkar 1 e 2, policiais civis descobriram que, em 2009, a Fácil recebeu R$ 10,2 milhões do GDF. Em 2010, apenas até maio, os pagamentos chegaram a R$ 32 milhões. Criada enquanto o coronel da reserva da Polícia Militar do DF e ex-deputado federal Alberto Fraga atuava como secretário de Transportes, a Fácil era comandada pelo mesmo Canhedo Filho e por sócios do grupo Planeta. Assim, eles ditavam o valor arrecadado com a venda de créditos, montante que deveria ser repassado ao governo. Tudo sem nenhum controle sobre o número de passageiros transportados. Com o fechamento da Fácil, o governo diz gastar menos de 10% do que a empresa de Canhedo e companhia cobravam.

Ônibus da Viplan quebrou ontem no Setor de Indústrias Gráficas: sucata

Recorde de ações trabalhistas

A exemplo de Amaral, os Canhedos têm visto o império desmoronar com uma avalanche de ações judiciais. Em junho de 2012, a Justiça do Trabalho divulgou uma lista das 100 empresas e das 100 pessoas físicas com o maior número de processos com débitos trabalhistas no Brasil. A falida companhia aérea Vasp, do patriarca Wagner Canhedo Azevedo, 78 anos, ocupa o primeiro lugar do ranking. O empresário e outros três familiares ligados à Viplan lideram a lista de pessoas físicas. Após a abertura do processo de recuperação judicial que levou à falência da Vasp, cerca de 15 mil ações trabalhistas foram instauradas na Justiça. Em 2008, o Judiciário tomou a Fazenda Piratininga, de Wagner Canhedo e a repassou aos antigos funcionários da Vasp, como garantia de pagamento dos seus direitos. Mesmo com a Vasp se atolando em dívidas bilionárias, Canhedo comprou a propriedade nos anos 1990. Na época, um dos maiores empreendimentos agropecuários do país, a Piratininga tinha cerca de 215 mil hectares, o equivalente a quase o dobro do tamanho da cidade do Rio de Janeiro (RJ).

Por causa das dívidas da Vasp, a Justiça Federal, em São Paulo, condenou Canhedo, o pai, a 8 anos, 8 meses e 17 dias de prisão. A extinta companhia aérea deve R$ 35 milhões à Previdência Social. A empresa, que foi uma das maiores do país, chegou a dever para funcionários, bancos, previdência, fornecedores e outros credores cerca de R$ 5 bilhões e teve falência decretada em 2008. De acordo com a acusação, a direção da Vasp recolhia as contribuições trabalhistas, mas não depositava.

A mesma prática, segundo a Justiça do DF, foi implantada por Wagner Canhedo Filho, principal herdeiro do ex-dono da Vasp, em seus negócios na capital do país. Canhedo Filho é dono do Hotel Nacional e preside o grupo Viplan. Em maio de 2008, ele chegou a ser preso pela Delegacia de Capturas e Polícia Interestadual após descumprir decisão da 1ª Vara de Justiça do Trabalho do DF que exigia o pagamento de 30% do faturamento do Hotel Nacional para cobrir dívidas trabalhistas. Antes, em 2007, ele foi condenado a um mês de prisão pelo Juizado Especial Criminal de Justiça do DF por se recusar a vender passes escolares. Procurado pela reportagem, Canhedo Filho não retornou as ligações.

Rei do gado Localizada em São Miguel do Araguaia (GO), a 3km da divisa com o Tocantins, a sede da fazenda ocupava terras de Araguaçu (TO), além de Sandolândia (TO). Tinha uma infraestrutura que custou R$ 400 milhões, segundo o próprio Canhedo. O rebanho de 100 mil cabeças de gado deu a ele o título de Rei do gado. Construiu ainda 3,6 mil quilômetros de estradas, centenas de pontes de concreto, dois viadutos, barracões e pista de pouso.