Título: Jogatina encolheu, mas não acabou
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 01/03/2013, Política, p. 6

O amplo galpão da Rua 10 do Parque São Bernardo, em Valparaíso, no Entorno, dá claros sinais de abandono. As hélices do sistema de ventilação foram retiradas, parte do revestimento do teto caiu e o mato cresceu tanto que já pode ser visto do outro lado do muro de aproximadamente 2 metros de altura. Parte da parede de tijolos erguida para proteger o local — e impedir que a movimentação, lá dentro, fosse vista da rua — desabou, abrindo passagem a quem queira entrar, inclusive equipes de reportagem, algo impensável há cerca de oito meses, quando, segundo a polícia, funcionava ali uma das casas de jogos de azar administradas pelo grupo ligado ao bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

Um ano após a prisão dele pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo, em 29 de fevereiro de 2012, várias casas usadas pela quadrilha — e fechadas pela polícia — estão abandonadas ou deram espaço a outros tipos de empreendimento. Mas o grupo de Cachoeira, que já não tem mais nenhum líder atrás das grades, não largou o lucrativo mercado dos jogos de azar, segundo a polícia. Segundo o Ministério Público Federal, a quadrilha foi desarticulada, mas não desmantelada.

“Há severos indícios que apontam que o grupo de Cachoeira permanece atuando. Identificamos que alguns líderes continuam, mas de forma muito mais camuflada. Eles desceram um degrau no submundo”, disse o delegado do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado de Goiás, Alexandre Lourenço, ponderando que a renda da quadrilha caiu muito. Há menos de um mês, foram identificadas no Entorno três casas de jogos ligadas, segundo o delegado, a integrantes do grupo de Cachoeira, o que mantém acesa a suspeita de que o bicheiro ainda possa ter envolvimento com a exploração de jogos de azar. A estratégia, no entanto, já não é mais a mesma.

Segundo Lourenço, se, no passado, a polícia chegou a encontrar 200 máquinas caça-níqueis funcionando em quatro casas contíguas, nas últimas operações a quantidade de equipamentos apreendidos chegou, no máximo, a pouco mais de 20 por estabelecimento desbaratado. Longe dos padrões do galpão da Rua 10 de Valparaíso, a maioria das casas recentemente identificadas tinham entre sete e 10 máquinas. De acordo com o delegado, o grupo também não costuma passar muito tempo em um só lugar e consegue desmontar uma casa em apenas uma hora. Em alguns pontos, até o tipo de máquina mudou. “Hoje, elas mais parecem totens de atendimento usados em shoppings e cooperativas de crédito, onde há um teclado e uma tela de computador, usadas para camuflar a operação dos jogos por meio da suposta venda de acesso à internet”, disse o delegado Alexandre Lourenço.

Procurador da República em Goiás, Daniel de Resende Salgado teme que, com os principais líderes do esquema em liberdade, incluindo Carlinhos Cachoeira, o grupo consiga se rearticular de tal forma que dificulte ainda mais o trabalho de repressão às atividades ilegais. “Havia uma proteção mútua e a conclusão a que eu chego é que há uma possibilidade muito grande de o grupo permanecer uno, pelo menos na cúpula. Como houve certa desarticulação e a fonte de renda de parte deles era o jogo, temos informações de que alguns deram continuidade às atividades, independentemente de determinações do comando máximo. Pelo que a gente pode deduzir, há grande possibilidade de o grupo se reerguer. E essa era nossa maior preocupação no sentido de manter a prisão dos líderes”, disse o procurador. “A gente sabe que ainda há um mercado, que a atuação do estado é paliativa e que esses grupos criminosos são maleáveis e conseguem se adaptar”, complementou.

O advogado de Cachoeira, Nabor Bulhões, negou que o cliente continue explorando jogos de azar. “Essa é uma especulação absolutamente desvairada, que tem como único objetivo criar factoides para dificultar a defesa e levá-lo novamente à prisão. Se alguém que no passado tinha alguma ligação com ele e está explorando jogos, que responda por isso. A responsabilidade penal é pessoal e intransferível”, disse. De acordo com Bulhões, Cachoeira está recluso em Goiânia, com a família. Sobre a forma como ele se mantém financeiramente, Bulhões disse apenas que o cliente “tem lá suas economias”. Colaborou João Valadares

“Se alguém que no passado tinha alguma ligação com ele (Cachoeira) e está explorando jogos, que responda por isso. A responsabilidade penal é pessoal e intransferível” Nabor Bulhões, advogado de Carlinhos Cachoeira

Memória Jogos e bilhetagem Preso pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo em 29 de fevereiro de 2012, Carlinhos Cachoeira passou 265 dias na cadeia. Foi posto em liberdade em 21 de novembro do ano passado e preso novamente em 7 de dezembro, com base em mandado expedido após a condenação do contraventor a 39 anos de reclusão por crimes apurados na operação policial. Foi posto novamente em liberdade quatro dias depois.

Em outro processo, decorrente da Operação Saint-Michel, que desbaratou um esquema montado no Distrito Federal para controlar o sistema de bilhetagem eletrônica do transporte público na capital do país, foi condenado a cinco anos de prisão em regime semiaberto.

Em novembro de 2012, o Ministério Público Federal apresentou nova denúncia contra Cachoeira por envolvimento com exploração de jogos de azar. A Justiça aceitou a denúncia, mas, até o momento, aplicou apenas medidas cautelares, como o recolhimento do passaporte do bicheiro. No Congresso Nacional, a CPI do Cachoeira, criada para apurar o envolvimento do contraventor com agentes públicos e empresários, terminou sem nenhum resultado.