Valor econômico, v. 21, n. 5110, 20/10/2020. Brasil, p. A6

 

EUA fazem aceno ao Brasil com pacote de facilitação comercial

Mariana Ribeiro

 Lu Aiko Otta

Matheus Schuch

20/10/2020

 

 

Ampliação do acordo vai depender do sucesso eleitoral de Donald Trump no mês que vem

Às vésperas das eleições presidenciais, os Estados Unidos assinaram ontem com o Brasil pacote comercial de facilitação de comércio, boas práticas regulatórias e anticorrupção. Do ponto de vista brasileiro, é um resultado concreto da “parceria estratégica” escolhida pelo presidente Jair Bolsonaro. Do ponto de vista americano, uma demonstração de pragmatismo com a economia da região.

Num horizonte mais amplo de parcerias, os dois países discutem também como reduzir a dependência da região de componentes estratégicos chineses, disse o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo. Os país tem pressionado o Brasil a banir equipamentos chineses da infraestrutura da internet 5G, alegando que esses componentes podem trazer risco de espionagem.

O secretário comentou que segurança e comércio andam juntos. A fala de Pompeo foi endossada pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo. “Não há economia de mercado separada de democracia”, afirmou ontem durante evento promovido pela Câmara de Comércio Brasil-EUA.

Já Bolsonaro disse que, em parceria com o americano Donald Trump, é inaugurada uma nova etapa de cooperação. “A prioridade que o Brasil tem nesta relação é clara e sincera”, acrescentou. Os acordos assinados tratam de questões não tarifárias, mas o presidente disse que, para o futuro, vislumbra “um arrojado acordo tributário, um abrangente acordo comercial e uma ousada parceria” entre os países.

Em nota conjunta, o Itamaraty e o Ministério da Economia disseram que o pacote “insere-se em contexto mais amplo da política de comércio exterior brasileira, cujo principal objetivo tem sido o de criar ambiente econômico favorável aos negócios e à reinserção competitiva do Brasil na economia internacional”. Afirmaram ainda que o pacote deve formar a “base de um amplo acordo comercial a ser futuramente negociado entre as duas maiores economias do continente americano”.

Os atos foram firmados em cerimônia virtual com Araújo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o representante de Comércio dos Estados Unidos, Robert Lighthizer.

As discussões sobre o acordo ganharam força na reunião entre Trump e Bolsonaro no início deste ano, na Flórida (EUA). Para o governo brasileiro, era importante garantir a assinatura ainda neste ano, diante da incerteza da reeleição de Trump. A negociação de acordos mais amplos também será influenciada pelo resultado das eleições.

Um dos pontos do protocolo, assinado no âmbito do Acordo de Comércio e Cooperação Econômica, estabelece que os países trabalharão em conjunto para celebração de um acordo de reconhecimento mútuo dos seus Programas de Operadores Econômicos Autorizados (OEA), espécie de selo de confiança dado a exportadores e importadores que cumprem requisitos prévios. Não há prazo para que o processo seja concluído.

Há ainda medidas para o uso de tecnologias no processamento das exportações e importações com o intuito de reduzir tempos e custos das operações e uma seção destinada ao tratamento a ser conferido a produtos agrícolas.

A área de boas práticas regulatórias trata de processos, sistemas, ferramentas e métodos reconhecidos internacionalmente para a melhoria da qualidade da regulação. Já no campo anticorrupção, o acordo expande, segundo os ministérios, “para além da esfera estritamente criminal, a atuação doméstica e a cooperação internacional anticorrupção, ao abarcar também as esferas civil e administrativa”.

Para a CEO da Câmara Americana de Comércio no Brasil (Amcham Brasil), Deborah Vieitas, os protocolos são um primeiro passo para um acordo mais amplo entre os países. Nenhum acordo mais abrangente, como um de livre-comércio, poderia existir sem esses três elementos, disse.

A visão é compartilhada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que defende que os atos abrem caminho para “uma negociação mais ambiciosa e que permita o livre-comércio entre os dois países no futuro”. Embora não tratem de acesso aos mercados, diz a entidade, eles abordam temas que permitem a redução de custos e ampliação da competitividade na relação entre os países.

Ainda falando sobre a integração entre os países, Bolsonaro assegurou que a abertura do mercado de gás natural no país vai aumentar oferta de energia barata. O setor de energia limpa e renovável, na visão do presidente, tem grande potencial de parceria com os EUA.

Ele também citou o que considera uma “ambiciosa” agenda de reformas do governo, que garantirá melhor ambiente de negócios, e provocou empresários a olharem a carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Ele aproveitou o discurso ainda para apelar aos EUA que apoiem o Brasil no processo de acessão à OCDE.

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Acordo serve de pano de fundo para discussão do leilão de 5G

Fernando Exman

20/10/2020

 

 

Objetivo dos Estados Unidos é convencer o Brasil a expurgar as companhias chinesas da disputa

Autoridades brasileiras e americanas passaram as últimas horas comemorando os entendimentos construídos para facilitar o comércio bilateral, algo mais do que legítimo. Afinal, qualquer iniciativa voltada à ampliação dos fluxos comerciais deve ser observada com atenção, num momento em que a economia global tenta ganhar tração em meio à crise provocada pela pandemia.

No entanto, apesar de os dois governos terem colocado o tema como o principal resultado da visita dos enviados pelo presidente Donald Trump a São Paulo e Brasília, observadores privilegiados dessa movimentação alertam: o acordo comercial pode ser visto como o pano de fundo para que Brasil e EUA tratem com mais tranquilidade sobre o principal interesse americano neste momento, o leilão da quinta geração de telefonia celular.

Não é à toa, portanto, que o perfil dos integrantes da comitiva vai além dos quadros voltados ao comércio exterior. Ela inclui, por exemplo, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, embaixador Robert O’Brien, que, além de encontrar o próprio presidente Jair Bolsonaro, tem em sua agenda reuniões com os ministros da Economia, Paulo Guedes, das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno.

O objetivo dos Estados Unidos é convencer o Brasil a expurgar as companhias chinesas do leilão de 5G. E as autoridades brasileiras captaram a mensagem de que, para os americanos, o tema é visto como uma questão de Estado e de segurança nacional.

Diante da proximidade das eleições presidenciais americanas, um seguinte dilema pode ser colocado para o governo brasileiro. Se Trump ganhar, a adesão brasileira ao projeto dos EUA na área de 5G seria mais um ingrediente a fortalecer a parceria estratégica articulada a partir de 2019. Em caso de vitória de Joe Biden, por outro lado, essa mesma adesão teria o condão de garantir um início de relação menos traumático com a administração democrata.

Até agora, o Brasil tentava ganhar tempo e não queria escolher um lado no curtíssimo prazo. Diferentemente dos entendimentos de facilitação comercial assinados nesta semana, que ainda precisarão demonstrar seus efeitos reais, um passo em falso na questão do 5G deve ter consequências práticas negativas palpáveis na relação do país com a China.