Valor econômico, v. 21, n. 5110, 20/10/2020. Brasil, p. A9

 

Vacina não será obrigatória, diz Bolsonaro     

Matheus Schuch

20/10/2020

 

 

Presidente diz que ideia de governador de SP de tornar vacinação compulsória leva “terror” à população

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem, em cerimônia no Palácio do Planalto, que a vacinação contra covid-19 não será obrigatória no país.

Diante da declaração do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de que pretende tornar compulsória a imunização no Estado, o presidente o acusou de levar “terror” à população e sugeriu que possa haver outros interesses na promoção da vacina chinesa, que é desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan.

Bolsonaro afirmou que a Coronavac, do laboratório chinês Sinovac, é mais cara do que a vacina produzida pela Universidade de Oxford, que tem parceria com o governo federal e também está em fase de testes.

“A vacina por meio dessa fonte [Sinovac] custa mais de US$ 10, da nossa fonte custa menos de 4 [dólares], não quero acusar ninguém de nada aqui...”, afirmou o presidente.

Bolsonaro reiterou o que já havia falado horas antes a apoiadores, no Palácio da Alvorada, que cabe ao Ministério da Saúde decidir sobre vacinação e que ela não será obrigatória no país.

“Muita gente contraiu [covid] e já está imunizada, vai obrigar essa pessoa a tomar essa vacina?”, argumentou o presidente.

“Quem está propagando isso aí [sobre obrigatoriedade de vacinação] é uma pessoa que pode estar pensando em tudo, menos na saúde ou na vida do próximo. O ministro da Saúde é bem claro, qualquer vacina aqui no Brasil tem que ter comprovação científica e ser aprovada pela Anvisa, isso não é a toque de caixa”, pontuou.

Mais cedo, ao falar com apoiadores, o presidente já havia defendido que a China deveria imunizar a sua população antes de levar a vacina para outros países, comparando o caso à indústria bélica.

“Tem que ter comprovação científica. O país que está oferecendo esta vacina primeiro tem que vacinar em massa os seus e depois oferecer para os outros países. Você não consegue vender um produto bélico para outro país se você usar no seu território e de forma comprovada mostrar sua eficácia”, argumentou.

A Coronavac mostrou-se segura nos testes da chamada fase 3, a última antes da aprovação, em 50 mil voluntários na China. Há testes em andamento no Brasil e outros países. Trata-se do imunizante com testes mais avançados até agora, embora sua eficácia ainda não esteja comprovada.

Se a Coronavac se provar eficaz, o governo de São Paulo pretende protocolar na Anvisa um pedido para liberação emergencial da campanha de vacinação no Estado.

Sem citar fonte da informação, Bolsonaro afirmou que “pelo menos metade da população diz que não quer tomar esta vacina”, fazendo referência ao imunizante chinês. Nos últimos dias, nos contatos com apoiadores, o presidente tem ironizado a origem da vacina e já questionou os populares se eles teriam coragem de receber a imunização.

O discurso no Planalto ocorreu durante evento promovido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, em que foi anunciado o resultado de pesquisas com o vermífugo nitazoxanida, mais conhecido pelo nome comercial Annita.

O medicamento, segundo o ministério, foi eficaz na redução de carga viral de covid-19 quando utilizado para tratamento precoce da doença, junto a outras drogas.

Mantendo a postura que tem adotado desde o início da pandemia, Bolsonaro não fez menção às mais de 154 mil vítimas da covid-19 no país e criticou medidas de isolamento social.

Em um recado a governadores, Bolsonaro terminou o discurso dizendo que a orientação para que a população ficasse em casa pode ter acobertado interesses escusos.

“Com aquela história ‘fique em casa’ e quando tiver falta de ar procure um médico, será que não era para comprar respiradores a toque de caixa com preços mais do que abusivos?”, afirmou. “A história vai mostrar quem estava com a razão, quem não se preocupou com a sua biografia para salvar vidas.”

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Doria afirma esperar que não haja “judicialização” do tema

20/10/2020

 

 

Governador de São Paulo diz que o governo federal é “lamentavelmente é negacionista”

O governador de São Paulo, João Doria, afirmou ontem que espera que não haja judicialização em torno da vacinação contra a covid-19. Segundo ele, não há essa expectativa “nem nossa [do governo], nem das pessoas, nem do governo federal”. O governo paulista tem afirmado que tornará obrigatória a vacina contra a covid-19 no Estado de São Paulo, abrindo uma frente de atrito com o presidente Jair Bolsonaro, que rechaça a imunização compulsória.

Questionado se o governo mantinha a expectativa de iniciar a imunização em dezembro, Doria afirmou que esse prazo vai depender da Anvisa. “Os dados [referentes à vacina Coronavac] estão sendo encaminhados para análise da Anvisa. A vacina do Butantan é a mais avançada de todas as vacinas em teste no país. Acredito que a Anvisa mantendo o comportamento técnico, republicano e científico que tem adotado até aqui, deve aprovar vacina até dezembro”, disse ele, em entrevista ao portal Jota. “Continuo confiante que poderemos em dezembro iniciar vacinação com médicos, enfermeiros e aqueles que atuam na saúde, incluindo profissionais de segurança, limpeza e manutenção. E a partir de janeiro, dentro do Programa Nacional de Imunização, todos os demais brasileiros.”

Doria também criticou o presidente. “Nós temos um governo que lamentavelmente é negacionista. Bolsonaro entende que é essa não é uma pandemia gravíssima, continua minimizando, chamando de gripezinha. Inclusive acusando as pessoas que ficam em casa se protegendo, corretamente aliás, de fracassados, de covardes.”

Mais cedo, o governo de São Paulo disse que a vacina em desenvolvimento pelo Instituto Butantan, chamada Coronavac, é a mais segura em fase final de testes no Brasil, segundo avaliação da gestão estadual. Estudos clínicos com nove mil voluntários no país, com idades entre 18 e 59 anos, mostraram que apenas 35% tiveram reações adversas leves após receber a dose, principalmente dor no local da aplicação ou dor de cabeça. Não houve registro de efeito colateral grave, informou o governo.