O globo, n. 31831, 30/09/2020. Rio, p. 15

 

Morre idoso que esperou três dias por

Letícia Lopes

Diego Amorim

30/09/2020

 

 

Família não tem dúvidas de que demora agravou estado de paciente com Covid-19 que precisou recorrer à Justiça para obter leito. Após dois meses sem demanda, Defensoria Pública ingressa com 14 ações para garantir atendimento

 O aposentado João Firmino do Nascimento, de 75 anos, teve os primeiros sintomas do novo coronavírus no último dia 19 e foi levado por parentes até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Santa Cruz, na Zona Oeste. Com dificuldades para respirar, o idoso precisou ser colocado no oxigênio, e a família foi informada que ele precisava de um leito de UTI. A vaga no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, só chegou, no entanto, três dias depois. Com o estado de saúde agravado pela demora, Seu João acabou não resistindo à doença. Morreu anteontem de manhã, após após cinco dias entubado na unidade que é referência para pacientes com Covid-19. A disputa por leitos, que havia melhorado, é um drama que voltou a acontecer.

— No domingo, já o colocaram na regulação para ser transferido, mas foram três dias de luta. Acho que se ele tivesse sido transferido desde o início ainda estaria aqui hoje com a gente —lamenta a neta do idoso, Michele Nascimento dos Santos, de 31 anos, que recorreu à Defensoria Pública para obter a vaga.

Na última atualização quinzenal, pesquisadores do Observatório Covid-19, da Fiocruz, concluíram que a capital fluminense está numa “zona crítica” em relação a quantidade de leitos para pacientes com coronavírus. O estudo analisou o período entre 6 e 19 de setembro e apontou, além, de sinais de sobrecarga nos hospitais, diminuição na oferta de vagas por 10 mil habitantes.

O drama da família de seu João passou a acontecer com maior frequência. A Defensoria Pública, que já estava há dois meses sem ingressar com ações para solicitar vagas de UTI para pacientes com Covid-19, entrou com 14 pedidos na Justiça, em setembro. Segundo a defensora Thaísa Guerreiro, Coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, após a trégua de cerca de 60 dias, as solicitações voltaram a aparecer em meados de agosto, principalmente em cidades como Cabo Frio,Arraial do Cabo e São Pedro da Aldeia. Na capital, diz, as demandas voltaram a aumentar há cerca de duas semanas.

Dados da Secretaria municipal de Saúde do Rio mostram que, ontem, 91,6% dos leitos de UTI em unidades da prefeitura destinados à Covid-19 estavam ocupados. No domingo, a taxa era de 87,2% e, há dois meses, 78,4%. Segundo a pasta, 65 pessoas aguardavam transferência em toda a rede SUS da Região Metropolitana (que inclui a capital e a Baixada Fluminense) ontem — 32 pacientes para leitos de UTI. De acordo com a secretaria, a transferência leva em média 23 horas.

ESTADO NEGA FALTA DE VAGAS

Se for levada em conta toda a rede do Sistema Único de Saúde — que inclui as unidades municipais, estaduais e federais —, o percentual de leitos de UTI ocupados na capital está em 79%, com 339 pessoas internadas. Há dois meses, estava em 71%.

Na rede estadual, a taxa de ocupação de leitos de UTI era ontem de 47%. De acordo com a Secretaria estadual de Saúde, não há falta de leitos. “A fila deesperaporleitosébreve, e ocorre porque, para pacientes com comorbidades, a Central Estadual de Regulação busca vagas que contemplem todas as suas necessidades clínicas.” A prefeitura afirma que “realiza a maioria absoluta de atendimentos de Covid-19, já que houve fechamento de leitos nas outras redes”.