Valor econômico, v. 21, n. 5113, 23/10/2020. Brasil, p. A3

 

Governo quer dinheiro de fundos para ações de combate à pandemia

Lu Aiko Otta

23/10/2020

 

 

Valores ‘parados’ somam R$ 177 bi e seriam ‘descarimbados’, reduzindo pressão sobre endividamento

Cerca de R$ 177 bilhões em recursos que estão parados em fundos federais poderão ser “descarimbados” para financiar ações de combate à pandemia, diminuindo a pressão sobre o endividamento. A medida depende da aprovação, pelo Congresso, do Projeto de Lei Complementar (PLP) 137, de autria do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE).

A aprovação do PLP foi listada pelo secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, em conversa com o Valor, como uma “alternativa importante” para reforçar o colchão de liquidez e fazer face aos elevados vencimentos da dívida pública em 2021.

 

O texto destina os superávits financeiros de 29 fundos públicos federais, apurados em 31 de dezembro de 2019, para financiar ações contra a pandemia de covid-19 durante o período do estado de calamidade. Os recursos serão usados em quatro eixos: auxílio emergencial, apoio a Estados e municípios, ações de saúde e ações de apoio ao emprego e à renda.

Originalmente, esse dinheiro foi arrecadado para finalidades específicas, como expandir a infraestrutura aeroportuária do Brasil ou combater o tráfico de drogas. No entanto, não foram utilizados e se encontram parados, em alguns casos, há décadas.

Os recursos não serão diretamente direcionados ao pagamento da dívida, mas auxiliarão em sua administração, explicou o deputado. “Em vez de se endividar em mais R$ 177 bilhões, o Tesouro tem os recursos para pagar as despesas”, disse ele. “Se diminui a procura do Tesouro por recursos, não precisa pagar tantos prêmios de risco que são demandados pelo mercado.”

Também estão em discussão a antecipação de recursos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Caixa, além de uma nova transferência de resultados obtidos pelo Banco Central em operações com câmbio.

Segundo Funchal, a estratégia de emissões do Tesouro já considera os vencimentos grandes em janeiro, março e abril de 2021. O objetivo é chegar ao fim deste ano com caixa suficiente para fazer face ao vencimento dos primeiros quatro meses do ano que vem. “Mas é importante reforçar o colchão de liquidez, porque ajuda na gestão da dívida pública”, comentou.

Os montantes ainda não estão decididos, mas a ideia é deixar as transferências engatilhadas para o início do primeiro trimestre, informou o secretário. “Estamos começando a discutir valores”, disse. O montante tem de ser discutido com base numa avaliação dos indicadores de liquidez das instituições e sua governança.

Tem sido ventilado nos bastidores, inclusive na área técnica do Ministério da Economia, o valor de R$ 100 bilhões para o pagamento a ser feito pelo BNDES. Essa foi a cifra transferida em 2019.

No caso da Caixa, poderá haver pagamento antecipado dos instrumentos híbridos de capital e dívida, que foram utilizados de 2007 a 2013 para fazer aportes na instituição.

Em agosto do ano passado, a Caixa Econômica Federal devolveu R$ 7,35 bilhões ao Tesouro.

As devoluções de recursos pelos bancos representam a retomada de um planejamento que havia em 2019, mas que foi suspenso em 2020 em razão da pandemia. Nesse período, os bancos precisaram preservar recursos para oferecer linhas de crédito às empresas. No ano que vem, porém, espera-se a retomada do curso normal.

Outra possibilidade de reforço ao colchão é uma nova transferência ao Tesouro de ganhos obtidos pelo Banco Central em operações com câmbio. Em agosto, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou um repasse de R$ 325 bilhões e deixou em aberto a possibilidade de uma nova operação, em caso de necessidade.

Benevides informou ter conseguido apoio de todas as lideranças para aprovar o PLP 137 na próxima quarta-feira. O maior desafio, no momento, é conseguir realizar as sessões da Câmara nesse período pré-eleições municipais. O impasse em relação à composição da Comissão Mista de Orçamento também pode atrapalhar os planos de apreciação do texto.

Por se tratar de projeto de lei complementar, a proposta tem de ser aprovada por maioria absoluta, ou seja, obter pelo menos 257 votos favoráveis.