Título: Primeiros passos de longa caminhada
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Fonte: Correio Braziliense, 01/03/2013, Opinião, p. 12

Decisões recentes do Senado e da Câmara dos Deputados dão mostra de que os líderes parlamentares se deram conta do risco que representa a demonização do Poder Legislativo. Nenhuma corrente, vale lembrar, é mais forte que seu elo mais fraco. O Congresso, um dos três pilares da democracia, precisa ter a higidez do Executivo e do Judiciário.

Na quarta, depois de idas e vindas, os deputados abriram mão do 14º e 15º salários. A iniciativa resultou de campanha do Correio Braziliense e, posteriormente, abraçada pelos cidadãos e demais meios de comunicação. Foi tal a rejeição ao privilégio que o novo presidente da instituição,Henrique Eduardo Alves, com base na experiência de mais de quatro décadas de mandato, articulou acordo de líderes e aboliu a vantagem de 67 anos.

Dias antes, outra notícia desanuviou o céu carregado de velhas nuvens escuras.Mal assumiu a presidência da Câmara Alta, Renan Calheiros anunciou duas medidas que representam economia de R$ 262 milhões anuais. Trata-se da extinção de mais de 500 cargos de confiança e da restrição do serviço médico a casos de emergência. Tardia, é verdade, mas bem-vinda. Há anos o inchaço da administração do Senado vem merecendo críticas, e promessas de enxugamento se sucedem sem se concretizarem.

Seria ingenuidade afirmar que os passos dados são suficientes para reconquistar a confiança dos cidadãos. Não são. O desgaste não nasceu hoje, nem no ano passado, nem na década passada. É fruto de quase meio século de desmoralização. Como golpe de 1964, o Executivo se hipertrofiou à custa dos demais Poderes. O Legislativo, necessário aos militares para a manutenção das aparências, foi contido graças ao acúmulo de benesses que o tornaram obeso e distante dos anseios populares.

Embora insuficientes, são necessários. O movimento das duas casas é a partida de longo processo. Recuperar a imagem borrada por plenários vazios, venda de votos, legislação em causa própria, prática de nepotismo, acúmulo de privilégios, enriquecimento ilícito, sociedade com o crime organizado exige tempo, determinação e espírito público. Hoje, se perguntássemos a qualquer cidadão se considera importante manter o Congresso Nacional, a maioria diria que não. Aplaudiria iniciativa que propusesse fechar as portas do poder que não cumpre as funções para as quais foi criado.

É grave e preocupante. Impõe-se prosseguir as medidas saneadoras. Entre elas, renovar os costumes políticos e o sistema de representação. Baratear o processo eleitoral, moralizar o financiamento de campanhas, acabar com a figura do suplente, tornar obrigatória a execução das emendas parlamentares são providências que darão transparência à ação do Congresso e diminuirão a distância entre eleitor e eleito.