Título: Contemplação na colina
Autor: Amorim, Deigo
Fonte: Correio Braziliense, 01/03/2013, Mundo, p. 15

No último domingo, quando rezava o Angelus de despedida para 200 mil pessoas, na Praça de São Pedro, o então papa Bento XVI disse que o Senhor o chamava a subir o monte para rezar. Pois foi exatamente o que ele fez ontem, três horas antes de abandonar o cargo máximo da Igreja Católica. A nova morada do agora papa emérito, em Castel Gandolfo, fica no ponto mais alto de uma colina, 450m acima do nível do mar.

Cerca de 10 mil pessoas — 3 mil a mais que o total de habitantes da província — tomaram para si o chamado direcionado a Bento XVI e, no início da tarde, começaram a encarar intermináveis ladeiras e escadarias. Lá em cima, se espremeram na única ruela de onde é possível de avistar a nova sacada do alemão. Enquanto se acotovelavam à espera do helicóptero que o trazia do Vaticano, a quase 30km de distância, os fiéis repetiam ave-marias e pai-nossos.

A cada badalada de sino, ouviam-se gritos de “Benedicto”, como o ex-pontífice é chamado na Itália. Até uma ladainha foi rezada pelos peregrinos, que tiveram de dividir espaço com um batalhão de jornalistas e vendedores de souvenir. Celulares, máquinas e tablets estavam a postos, com foco na principal janela da tradicional residência de verão dos papas. De seus apartamentos, os vizinhos também registravam toda a movimentação.

Aplausos

Quase meia hora após decolar da Praça de São Pedro, exatamente às 17h28 (13h28 no horário de Brasília), Bento XVI surgiu para saudar e se despedir daqueles que, como ele, subiram o monte. Com os braços erguidos em direção ao povo, ele viu os peregrinos o aplaudirem por 40 segundos, um terço do tempo em que permaneceu na sacada. Só conseguiu começar a falar, aparentemente com um raríssimo improviso, na segunda tentativa.

Aquela, sim, era a última aparição pública de Bento XVI como pontífice. Logo depois, quando as cortinas se fechassem, já no alto do monte, ele poderia, enfim, se isolar para rezar. O rápido discurso terminou com uma bênção, recebida por bebês, crianças, jovens, idosos, famílias inteiras. “Buonanotte”, desejou ele em italiano, concluindo a fala, antes de se recolher no interior da casa com vista para Roma, para o belíssimo Lago Albano e para o mar, no horizonte.

Disputados por cinegrafistas e fotógrafos do mundo inteiro, os brasileiros Sylvia e Tiago Padilha chamaram a atenção por estarem com os filhos no colo: Joaquim, 3 anos, e João, 1. A família, que vive em Maceió, viajou a Castel Gandolfo por conta de um encontro religioso internacional, obrigatoriamente interrompido ontem para que os participantes pudessem acompanhar o inusitado adeus a Bento XVI como papa.

Católico dos mais praticantes, Tiago se disse surpreso e encantado com o gesto do homem que ousou abrir mão da função de chefe da Igreja. “Ele quis voltar a ser um de nós. Só posso entender isso como algo de extrema simplicidade”, comentou o advogado alagoano. “Ele colocou o cargo à disposição em sinal de humildade”, emendou a mulher, feliz com o fato de os filhos, embora pequenos, terem presenciado um momento que ela considera histórico.